O mundo do Sr. Con - I

Data 15/10/2025 19:47:11 | Tópico: Textos

O MUNDO DO SR. CON – 2021

Oitavo dia do ano – quinta-feira
O corpo cansado e dolorido depois de quase uma hora soldando as grades de Gasparetto. Expostas na calçada. Olhava-as de relance com “O Hospital” nas mãos. Se quisesse e tivesse coragem e disposição as terminaria. Mas isso contrariaria seus princípios éticos. Trabalhar demais sempre lhe acarretava problemas. Portanto era melhor ler Hailey e a descrição de uma autopsia.
Foi salvo no finalzinho do expediente uma solda na bicicleta de Chilado – o vendedor de algodão doce. Doze reais para amainar seus desejos etílicos.
Depois da rotina no mercado e na loja do futuro compadre. Na pensão negociou um litro de vinho Gaúcho com a senhoria para paga-la no sábado. Requentou a torta.
No começo da tarde mudou o tempo. Nublou e começou a chover. O cheirinho de terra molhada. O barulho dos pingos estatelando-se no telhado e no terraço. Uma Glacial adormecia no congelador. No aconchego de seu quartinho na penumbra bebericava o vinho e lia Hailey.
- Fecha essa janela Seu Constantino está dando muito trovão e relâmpago – pediu-lhe medrosamente a senhoria que tinha pavor deles. Ela desligara a tv da sala e refugiou-se no quarto junto com Caçulinha cobrindo-se com o lençol.
Com trouxe o litro de vinho e o deixou ao lado da cama. As vezes assemelhava-se com seu mestre Bukowski - o mais underground dois escritores americanos. Trabalhou quatro anos no tribunal foi demitido a bem do serviço público – Faltava muito principalmente nas segundas – nessa época tinha família – abandonou tudo. Grande filha da puta. Por isso não reclamava de sua sina.
Secou o litro. Preparou o prato do almoço e foi para a sala assisti o jornal Hoje e ficou consternado com a triste noticia da morte do icônico Genival Lacerda. Como sobremesa a glacinha estupidamente gelada e duzentos pessoas morreram vitimas da Covid.
Nono-dia – sexta-feira
No banheiro cantarolou baixinho debaixo do chuveiro:
“Quem não conhece Severina Xique-Xique
Que montou uma boutique para a vida melhorar
.....
Ele tá de olho é na boutique dela”
A sua simplória homenagem ao grande ícone do forró tradicional Genival Lacerda.
Uma pausa para esfriar o transformador de solda. Quinze minutos depois voltou a ativa até a chegada do velho mestre Guilbert, parceiro de muitas patacoadas alcoolicas, hoje um respeitável cidadão temente a Jesus. Venceu a Covid depois de três semanas de puro sofrimento com todos malignos sintomas: dores intensas de cabeça e no corpo, febre e calafrio de bater o queixo – recuperou-se com Azitromicina, paracetamol e chá de boldo.
Um blackout ocorreu depois das oito que deixou toda ilha sem energia elétrica dando margem a varias teorias da conspiração, durou até ao meio-dia – depois que todos se preparavam para o pior. Os feirantes, vendedores de galinhas entupiram seus congeladores de gelo. Con recebeu duzentos e cincoenta reais de uma cliente como adiantamento de uma encomenda.
No mercado com uma cerveja na mão e o caderno na outra perambulou, ouvindo uns e outros, procurando inspiração para um novo projeto literário.
- Sabe guardar segredo? – perguntou um boyola novo assediando o barbeiro Biracy no banheiro do mercado, fingindo que lavava as mãos enquanto o visualizava.
E assim Con ia anotando pequenos acontecimentos corriqueiro e anormais do mercado.
Um bom ovo frito na banha de porco misturado no arroz branco.
As sete da noite as janelas e porta do terraço eram fechadas para evitar a fuga dos gatos abusados para a rua. Mas Con contrariava essa norma deixando aberta a sua do quarto.. nesses últimos meses vinha sofrendo de uma pequena insônia, dormindo as parcelas, nesses intervalos lia um pouco sofregamente, dessa vez foi Turguniev que lhe fez companhia em “Pais e Filhos”. Dormia bem mesmo quando estava bêbado....



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