
O cântico do poeta que testemunha
Data 18/10/2025 12:12:53 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| E aconteceu, No tempo em que o homem se esqueceu de sua própria alma, Que as pedras começaram a murmurar em linguagem antiga, E o vento levou aos ouvidos dos poetas A memória que o mundo havia perdido. Então fui chamado, Não por trombetas, mas por silêncios. E uma voz sem rosto me disse: “Levanta-te, testemunha do humano, e escreve o que vês.” E vi: As cidades de vidro rachadas pela indiferença, Os templos erguendo-se em nome do vazio, As palavras morrendo nos lábios dos justos, E o amor, exilado, vagando sem abrigo. Os rios traziam espelhos quebrados, As crianças brincavam com cinzas, E o céu — cansado dos homens — calava. Então profetizei: “Virão dias em que o coração será pesado, E os olhos verão sem compreender. O saber crescerá como erva daninha, Mas a sabedoria fugirá para o deserto.” E vi os poetas caminhando entre as ruínas, Com pergaminhos de fogo nas mãos. De seus olhos caíam estrelas, E suas bocas semeavam luz em meio às trevas. Um deles me disse: “Não temas o fim, porque ele é apenas o início que se lembra.” E compreendi: A poesia não é refúgio — é juízo. Ela revela o que o homem tenta esconder de si, E traz à tona o que dorme nas profundezas da alma. Então escrevi sobre as tábuas do tempo: “O humano será julgado não pelo que destruiu, Mas pelo que deixou de amar. E todo verso escrito com verdade Será contado como semente de eternidade.” E quando terminei, o vento cessou. O sol se inclinou sobre a terra cansada, E o mundo, pela primeira vez, ouviu-se. No silêncio que seguiu, Nasceu um novo idioma — feito de compaixão e cinzas. E dele, como aurora, ergueu-se o poema: O último e o primeiro, Aquele que une o pó à luz. Poema: Odair José, Poeta Cacerense www.odairpoetacacerense.blogspot.com
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