
O mundo do sr Con - IV
Data 18/10/2025 17:02:45 | Tópico: Textos
| Sabado gordo de carnaval O poeta olhava ansioso e indeciso, cofiava a barbicha para uma folha em branco do diário pousado sobre a mesinha improvisada – um pedaço quadrado pequeno de compensado sobre um estropiado banco de madeira. A frente, Frank Pirado sem camisa, sentado na cadeira de plástico curiava tranquilamente o movimento da manhã insólita de sábado gordo de carnaval – O olho aberto do Grande Irmão na capa de 1984 o vigiava. “Despertei as cinco da manhã, chuviscava, fiquei deitado ouvindo o arrastar pesado das japonesas da Senhora Vince na cozinha a caminho da sala exígua sala de estar. Ligou a televisão para assisti o desfile das escolas de sambas paulistanas – Os Gaviões da Fiel adentrava luminosamente no sambódromo. Abri uma banda da janela e uma lufada de frio e claridade invadiram o escuro aposento com odor de orvalho. Tatei sobre o colchão desnudo de lençol e apanhei “1984” e tentei lê-lo, mas a vista ainda embaciada e adormecida impediu de fazê-lo, então levantei-me e fui para o banheiro. Dei uma boa barrigada e abluir-me com sabonete. De volta ao quarto, desodorante nas axilas e o banho de leite de rosas – (mesmo assim a plebe rude diz que eu fedo) – Genuflecti-me ao lado da cama para rezar um Pai Nosso e antes de colocar a toca persignei-me e sai para a vida” Cansado de estar sentado, Frank Pirado levantou-se abruptamente como um boneco de mola e prontificou-se em pé debaixo da soleira, apoiando-se com a mão esquerda na parede e outra no quadril e assim permaneceu por alguns minutos perlustrando a avenida de cabo a rabo e sem nenhuma cerimonia voltou a sentar-se na mesma posição. O poeta encolhido no seu trono escondido no canto ao lado da porta viajava anonimamente com Winston pelas ruas do bairro dos proletas em Londres sob a severa vigilância do Grande Irmão – que muitos dizem ser baseado no ditador Stalin. “Comprei pão na mesma padaria, o dente doeu um pouco a noite na hora que tinha um belo sonho com a minha bela musa eterna, ofereceu dinheiro e café. Nhã Pu e o carroceiro maneta Mariano conversava na descida. Apenas acenei sem parar. Queria chegar logo a oficina para ler “1984” do mestre Orwell – estou gostando assim com amei o filme “Em Honra dos poderosos Prizzi” com o grande ator americano Jack Nicholson e a bela Katerine Turner. Nesses últimos dias vinha assistindo uns filmes noir dos anos 40/50 com Edward G. Robison.” O poeta adorava cinema e literatura – era daqueles que primeiro lia o livro para depois ver a versão cinematográfica. O seu primeiro filme foi “A Familia Fulera” com Jerry Lewis desde então o cinema virou a sua melhor terapia para todos os males – mas primeiro a literatura, apesar que veio mais tarde. As duas artes se interligam – nos anos 40 e 50 muitos dos grandes escritores americanos foram para Hollywood faturar uma boa grana. “Vim para a pensão, hoje é agua. Coloquei a bomba e voltei a leitura interessante de “l984”, mas sem esquecer a mestra Maria Carolina de Jesus em “Quarto do Despejo” – devolvi-o para Juvan ontem pela manhã. Estava doido para ficar com ele. Talvez no futuro negociemos. Oxalá! Domingo de carnaval Acordei e levantei-me as cinco e meia da manhã ainda escuro e o ceu nublado e fui tirar as minhas roupas de molho, que deixei desde ontem. Triste sem o radinho para ouvir Roberto Carlos, lutei e não fui comprar as pilhas fiadas no Pai Cardoso seguir a máxima do mestre Bamba: “Não tem, não tem” – fiquei cabreiro de levar um sabão dele. Ed Paul cortou meu credito e não me vende mais fiado – tá certo, melhor para nós dois. Depois da lavagem fui ler “Cem Anos de solidão” no meu cantinho favorito e sossegado até ser expulso pela chuva e tive que me refugiar na exígua sala de estar. O livro está desmilinguindo-se, soltando as paginas e deixa-me triste. - Tu és aposentado, mas não és milionário – ironizou a Sra. Pãbu desligando o interruptor da lâmpada do quarto dos homens, onde o marido conversava animadamente com seu honorável amigo e primo de longas datas Sr. Con. Sr. Com decidiu vista-lo após muitas indecisões e hesitações, depois de abluir-se, beber o café, ficou naquela de vai, não vai – eu vou como a canção de Vinicius. Vestiu a farda domingueira, apanhou o cartão de transporte guardou no bolso dianteiro da bermuda, o exemplar de capa dura de “Moses e o Mundo da Razão” de Tennesses Williams e botou o caderno espiralado dentro dele, a velha toca na cabeça, persignou-se e fui. Custou a pegar um ônibus para o terminal da Praia Grande e de lá depois de mais de meia hora de espera embarcou noutro e cortou a cidade rumo a Cidade Operaria. Chegando uma hora depois, no momento que sr. Pãbu, também conhecido como Tio Willi saia de casa para comprar laranjas num sacolão próximo. - Pãbu? Pãbu? – gritou varias vezes até o mesmo reconhecer sua voz e parar, Ambos estão péssimo da vista. De volta ao quarto dos homens ficaram relembrando as suas doces juventudes pelas ruas do centro, amortecendo a mente com analgésicos e fumaça de cannabis, muito cinema e poesia. Pãbu era seu caustico critico de seus inocentes primeiro poemas. Unha e carne – Dupla dinâmica de varar a noite nos cabarés em busca de prazeres carnais. Agora eram dois sessentões, mas a minha a amizade era a mesma, sem esses aditivos e nem álcool 0 o sr. Pãbu é um honorável evangélico. All right!. E assim ficaram até as onze quando o anfitrião foi deixa-lo na parada e ajuda-lo a embarcar de volta ao seu mundinho. Na volta a triste realidade de um sem teto deitado talvez dormindo embrulhado num lençol no assento metalico d’uma parada de onibus em frente a Ceasa – Pobre coitado – pensou Sr. Com persignando-se. As cinco e meia da manhã de terça-feira gorda de carnaval relia na Praça das Sete Palmeiras “Enquanto Agonizo” de Faulkener que intercalo com “1984” de Orwell e antes das seis e meia abri a oficina e coloquei as tralhas em exposição na calçada na esperança de um dia encontrar um comprador pra elas – um pedaço de grade, um basculante, um chapa de zinco de um lado da porta no outro uma armação de mesa, um pia, duas latas de massa etc. Seu Raimundo Diniz interessou-se por uma das latas, a examinou minunciosamente. - E quanto é seu Barbudo? – perguntou sutilmente quase sussurrando. - Dez reais – respondi todo empolgado e esperançoso. - Depois eu venho ver, tenho que comprar uma pra colocar umas coisas lá em casa. Após o café reli alguns capítulos de “Tuberculose” publicado semanalmente no hebdomadário Extra do meu amigo Nelson Nogueira em 2016 – dois anos depois que o escrevi enquanto convalescia dessa terrível doença, foram seis meses de tratamento, tudo devidamente registrado, que no final virou um livro ( https://pt.scribd.com/book/597040370/Tuberculose} - surpreendi-me com a minha prosa descritiva. Foi até aceito por uma editora com direito a assinatura de contrato e tudo e até hoje espero pela publicação. As minhas adoráveis e amadas frieiras amanheceram alvoraçadas e cominchando – que fui obrigado a coça-las na oficina mesma, no fundo. E decidi que não quero mais vende-la a não ser que apareça alguém disposto a pagar os 150 mil reais integral, em cédulas de dinheiro vivo – nada de cheque e nem tão pouco pix – I haven Money! Diverti-me assistindo uma versão moderna de “Orgulho e Preconceito” da mestra Jane Austen escrito no começo do século XIX – é hilario para quem conhece o enredo ou melhor quem já leu o livro – e eu modesta parte já o li mais de três vezes. Adoro-o e tenho vontade ler outros livros dela como “Razão e Sensibilidade” – ela é contemporânea das irmãs Bronté – autoras de “Morros dos Ventos Uivantes” e um que gosto muito “Jane Eyere” da Charlotte Bronté. Ontem quebrei meus votos e bebi umas doses comedidas de vodka bancada como sempre pelo meu cumpadre – Hoje também, mas sem avançar o sinal. Estou preocupado com uma dorzinha chata no abdômen, que doi quando aperto em cima. Caramba o que será? Uma hernia inguinal ou coisa pior? Semana que vem vou correr atrás dos exames, agilizar preparação da cirurgia do olho esquerdo que não enxergo mais nada e o da direita vai no mesmo caminho. Da impressão que o intestino estar empedrado. Será que vou ter de entrar na faca? Psicologicamente falando não estou nada bem.
Há semanas que não bebo café com um bom sanduba de salgados de Dona Ciça, assim como não escuto radio por falta de pilhas. C’est la vie de notre pauvre poete! Pai Cardozo sentado na cadeira na calçada – ainda pouco quando fui pegar o café, estava esparramado no sofá reclamando de suas dores reumáticas. As cinzas desta quarta estão mornas e refletem modorrentamente no movimento inócuo de transeuntes e veículos e a chuva cai poeticamente cândida sobre a Vila Embratel debaixo de um ceu hibernal. O poeta melancolico debulha seus anseios e neuras nas folhas amarelentas de um caderno encardido de sonhos. Os pequeninos de defronte enjaulados pela grade do portão veem o tempo flui monasticamente no asfalto molhado. Kafka aturdido em seus problemas existenciais vaga a esmo pelas vielas da velha Praga judaica fugindo das admoestações de seu severo, anos depois suas irmãs morreriam num campo de concentração nazista, assim com a inocente Anne Frank. Seu Zé Maria, o caminhoneiro inflamou-se ao ouvir a louvação do mestre Domingos, adventista da 23 falou para Uizinho semana passada: - Graças a Deus que Lula foi eleito! O homem abriu seu repertório bolsonarista e o defendeu com unhas e dentes: - Graças a Deus que Lula foi eleito que vou pagar imposto ´e por ai foi desfiando seu rosário imprecatório contra a esquerda. O poeta apenas ouvia e olhava sem tomar partido, afinal a oficina é território livre e todos tem o direito de expressar seus pontos de vista políticos e enfim o ônibus apareceu e ele correu para apanha-lo, encerrando o assunto. C’est fini!
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