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 A Vasta Solidão Cúmplice - ChrisFonte KatzData 31/10/2025 01:35:47 | Tópico: Contos
 
 |  | A Vasta Solidão Cúmplice 
 I
 
 A solidão de Sandra não era uma filosofia. Era uma doença silenciosa, uma espécie de úlcera na alma que supura a cada instante sem testemunhas.
 
 Ela vivia em Copacabana, ou talvez fosse qualquer arranha-céu imundo e luxuoso que se finge de lar, e a cidade, lá embaixo, não era de néon e pressa, mas de podridão oculta sob a luz do sol. Uma vasta, feia e promíscua imensidão de seres que se tocavam sem nunca se encontrarem.
 
 Naquela tarde, a chuva não era cúmplice, era testemunha. Batia na vidraça com a fúria de um remorso que não se cala. Sandra estava na sala, os joelhos frios, e a solidão era tão palpável que tinha cheiro de éter e cinzas de cigarro.
 
 O vasto silêncio não era o espaço para a alma; era a prisão onde a verdade, aquela coisa suja e viscosa que ela mantinha trancada, dava berros insuportáveis.
 
 Sandra não pensava em astrofísica ou incomunicabilidade. Pensava na boca fria do marido, no lençol amassado da manhã passada e naquele segredo que a devorava talvez a traição mais vil, talvez o aborto escondido na juventude, talvez apenas o nojo de ser ela mesma.
 
 A solidão lhe esfregava na cara o Óbvio Ululante: o de que somos todos um erro fatal de cálculo, nascidos para sofrer a febre da carne e morrer sozinhos, sem sequer a honra de sermos compreendidos.
 
 — Ninguém me conhece. Ninguém pode me salvar.
 
 O telefone? Aquela geringonça diabólica só trazia o som oco das mentiras sociais. O vizinho? Um adúltero compulsivo com cara de santo, Sandra sabia. Todos, todos eram réus e a cidade, o tribunal.
 
 Sandra tateou o tecido da cortina. O que ela sentia não era falta, era o medo de que a solidão se dissipasse e viesse a piedade alheia, que é a pior das humilhações. Ela preferia o castigo frio da sua vastidão íntima à falsa quentura dos outros.
 
 Ela estava ali, íntegra em seu desespero, perfeita em seu pecado. E o único consolo, a única certeza, era a chuva lá fora, lavando as ruas, mas nunca, jamais, limpando a alma.
 
 A caneta e o papel estavam ali, à espera. Mas de quê? Da confissão? O único texto que lhe interessava era aquele que estava escrito em seu próprio sangue, no avesso de sua pele.
 
 A solidão era a prova de que ela era, enfim, verdadeira.
 
 ChrisFonte Katz
 
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