
A Dor, o Tempo e o Eco
Data 23/11/2025 05:18:02 | Tópico: Poemas
| Há noites em que o cigarro parece rezar por mim, num murmúrio azul que se enrola entre os dedos — e o teto, esse velho cúmplice, guarda as cinzas de tudo que já fui.
O tempo passa arrastando correntes, como se cada minuto fosse um réu sendo levado ao cadafalso dos meus dias. E eu, com o peito em ruínas, ainda procuro poesia entre o pó e o cansaço.
Escrevi Ecos de um Tormento num silêncio que doía como febre. Cada página foi um corte, cada frase, uma tentativa desesperada de segurar o que o mundo insistia em arrancar.
Quantas madrugadas eu dei de oferenda ao altar da inspiração? Quantas vezes o álcool virou oráculo, e a cocaína — confidente cruel — me prometeu coragem para continuar existindo?
Há quem pense que escrever é um dom. Mas eu sei que é um castigo sagrado: viver mil mortes para contar uma só, a do próprio autor.
Eu troquei abraços por versos, amores por metáforas, e quando olhei em volta, havia apenas a solidão me esperando com um cigarro aceso.
O tempo, esse ladrão disfarçado de conselheiro, levou amigos, amores, promessas, mas deixou algo que ele não pôde roubar: a palavra. E é nela que me escondo, como um animal ferido que ainda respira.
Porque, no fundo, eu não escrevo para o mundo — escrevo para não morrer. Cada vírgula é um fio de ar, cada verso, um pedido de socorro travestido de beleza.
Hoje, quando leio o que fui, vejo um homem despedaçado, mas real — e talvez isso baste. Talvez o erro, o vício, o abandono, sejam apenas molduras do quadro maior: a tentativa sincera de permanecer humano.
E se algum leitor, perdido como eu, encontrar nas minhas palavras um reflexo — que saiba: não é redenção, é resistência.
No fim, escrevo não por glória, mas por vício — o mais antigo, o mais incurável de todos.
Escrevo porque não sou capaz de calar. Porque há um menino dentro de mim que ainda acredita que a dor pode ser arte, e que o tempo, se não cura, pelo menos escreve junto.
E então confesso, sem vergonha, sem disfarce: sou feito de pó, de pranto e papel. E se a vida me levou tudo, deixou-me o bastante — uma caneta, e a coragem de me despir em cada palavra.
Que esta poesia sirva de espelho, não para o que fui, mas para o que ainda resta de mim.
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