Despedida...quase uma ode.

Data 23/05/2008 12:40:00 | Tópico: Crónicas

Partiu distante de mim, soube por terceiros. Mas creiam no dia e hora em que viajou do corpo para suas paragens da alma, uma dor funda, pungente, fina como uma lamina, apequenou meu peito, me apertou o coração. Senti por momentos, como se um pedaço de mim houvesse sido arrancado, a partir daquele momento um espaço vazio ocupou minha alma. O câncer lhe havia tomado um seio, depois outro, enfim corroera sua vida. A ultima imagem é de nosso ultimo encontro, extirpara um seio e me explicava num bar que costumávamos nos encontrar, porque não dissera, me deixara sem noticias tanto tempo, me amargurara em sua ausência, se desculpava com seus imensos, mansos e lindos olhos azuis, de coisas que sua simples presença já apagara. Mais tarde na penumbra, inusitada do quarto, que providenciara cerrando as cortinas, para que a cicatriz que ocupava onde outrora fora a curvatura perfeita do seu seio esquerdo cujo direito ainda recordava o par formado, não se apresentasse nú em sua fealdade.
Me dizia em lagrimas, enquanto eu abafava as minhas...-Tinha que ser você, o primeiro a possuir este corpo mutilado. Nos possuímos em suas lagrimas, até que seus soluços substituem-se em gemidos, gozaramos o amor que nos dávamos, substitui a lagrima por um sorriso que manso lhe “adelgava” os olhos de gata. Ao saber que partira e como partira, me desesperei – mais tarde a medida que fui reencontrando a mim mesmo, num mar de despojos que compunham minha solidão, não penetrava a realidade desta morte, nem assimilava a realidade do seu desaparecimento. Caminhava a insone e insano, pela cidade, visitava lugares que gostávamos, supunha assim talvez pudesse depará-la de um momento para outro, acenar-lhe com a mão pensando...-Não disse ?. Ela esta ai, viva como sempre foi e será ela é imortal. Ela foi morrendo aos poucos para mim, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, eu acompanhava calado e lúcido, essa agonia que se estendeu ao longo dos anos. Morreu em mim de infindáveis mortes, ora na praia no pedaço de areia que estendia sua canga, ora através de caminhos por nós percorridos, ruas, vielas de nossa Sampa, ora no lugar que escolhia no cinema. Assim, tudo que a rodeara, que vivera com ela e dela, ou servira de testemunho á sua presença, fora perdendo o efeito, enrijecendo-se, incorporando-se ao resto anônimo e sem interesse das coisas. Este foi o modo como morreu, de sua longa morte, de sua morte maior que sua própria existência, que jamais enterrei, enterrei sua morte e tudo o que representava sua perda.
Carlos Said



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