Viúva Rosa Maria

Data 30/05/2008 18:41:05 | Tópico: Contos

Rosa Maria era mulher trigueira, em dias de sol trabalhava na lavoura, em dias de chuva trabalhava dentro de casa. aos 16 anos foi servir para Guimarães e por lá ficou até aos 23, teva alguns namoricos com moços que ia conhecendo aqui e ali mas nenhum havia sido sério. foi aos 24 anos que conheceu o seu Zé, filho de pais emigrados em França cedo se ficou por Portugal tomando conta das terras e aí ficou sozinho até conhecer Rosa Maria. casaram em Agosto. um ano depois baptizavam o seu Francisco na mesma igreja.
nesta tarde Rosa Maria andava no campo, sachola na mão, galochas nos pés, encaminhando a água pela levada até aos campos, ia regar os pepinos e as alfaces. precisava que eles medrassem depressa para ir vendê-los na feira no final do mês. o Zé estava atrás da casa rachando a lenha que anteontem havia cortado no monte.
Rosa Maria cantarolava canções que a sua mãe lhe ensinara, modinhas que só as pessoas da aldeia carregam debaixo da língua. o Zé gritou mas a água da levada não deixara Rosa Maria ouvir.
quando ao fim da tarde Xico chegou da escola encontrou o pai com o machado enterrado na canela da perna esquerda, gelado, frio de dores que não partilhara com ninguém. no meio do quinteiro um charco enorme de sangue. correu, correu a avisar a mãe. Rosa cantarolava ainda de sachola na mão encaminhando a água da levada por aqui e por ali, quando viu Xico aflicto correu ao seu encontro, com os olhos cobertos de lágrimas correram os dois, ele atrás dela mas assim que viu o seu Zé assim ali estendido soube que nada mais havia a fazer. o Xico insistia que deveriam chamar a ambulância mas Rosa Maria é uma mulher sabida, procurou na lista telefónica o nome da funerária Carvalho, marcou o número, mandou o Xico esperar a carrinha à boca da quelha, vestiu-se de preto e apressou-se a buscar um pano para limpar o pó da sala. nunca usavam a sala e o pó acumulava-se nos móveis, precisava limpá-la para preparar o velório. ligou depois à família chegada e poucos minutos depois do caixão estar instalado no meio da sala que nunca usavam o sino badalou a despique na torre da igreja.


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=39225