O eléctrico amarelo...

Data 03/06/2008 14:05:52 | Tópico: Textos -> Outros

Abri os olhos devagar, como se estivesse a acordar de um sonho...
Olhei em redor e reconheci de imediato aquele lugar, mas algo não batia certo, havia qualquer coisa de estranho, de errado. As árvores em fileiras que se estendiam a meio daquela avenida eram as mesmas, só que bastante mais delgadas, mais viçosas e mais pequenas. Os prédios, não eram os que conhecia. Estes tinham um aspecto diferente, com varandas abertas e enfeitadas com vasos de violetas , brincos de princesa e sardinheiras. Pareciam-me bastante mais antigos, sem aquelas linhas modernas a que estava habituada a vê-los. Havia vendedores ambulantes, que anunciavam a sua venda com um sonoro pregão. Desde varinas a ardinas, havia de tudo um pouco.
Mas afinal, onde é que eu estava?!
As pessoas caminhavam apressadas pelos passeios estreitos da rua por onde entretanto me tinha esgueirado, na esperança de encontrar algo que me fosse mais familiar. De repente, um homem dos seus trinta anos, parou a meio metro de distância de mim e pude ver que afinal não era um desconhecido como todas as outras pessoas que passavam por mim. Reconheci-lhe o rosto, mas não entendi a sua indiferença perante mim, nem as roupas antigas que trazia bem como o chapéu de meia aba na cabeça...
Olhei mais uma vez em meu redor e comprovei o que até ali me tinha passado despercebido. Todos os outros homens estavam vestidos de idêntica maneira. As mulheres usavam vestidos ou saias, quase até ao tornozelo e calçavam sapatos de bico fino e saltinho de prego.
O homem sorriu-me e acenou-me com um breve levantar de mão, tocando a aba do chapéu, numa pequena vénia em sinal de cumprimento e respeito. Retribui com um leve esboço de sorriso, ainda atordoada pela confusão que me invadiu e povoou a mente, como se de repente tivesse sido alvo de uma emboscada. O desconhecido não me reconheceu e afastou-se na direcção que levava, deixando-me ali sem perceber o porquê de tudo aquilo.
Gelei! Como um flash de um raio, percebi que tinha viajado no tempo, e recuado a uma década anterior ao meu nascimento... aquele desconhecido era o meu pai em jovem, que eu reconheci das velhas fotografias espalhadas pela casa em molduras antigas. Viajei numa cápsula do tempo e cruzei-me com ele, não numa vida futura, mas sim numa época anterior, pois tinha acabado de passar um automóvel que denunciava bem a era em que me encontrava ali perdida, onde eu não era eu, mas talvez um reflexo de mim de uma outra vida passada...
Ao fundo, avistei o eléctrico amarelo com destino ao Martim Moniz. Esperei por ele na paragem e entrei…





Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=39629