ortografia

Data 03/06/2008 19:32:19 | Tópico: Poemas

leio demoradamente o texto
na demora sem tempo de um tempo qualquer
a sós com o mar

a vaga vai e volta
lenta
envolta em nevoeiro e vento norte
funil
vulto difuso em que m'embrenho e me movo
revolta

puxo as pontas soltas de uma marioneta antiga
com o sal a escorrer em fio
p’la garganta
e o sol a queimar a pele exposta.

a vaga vai e volta
as letras vêm, andorinhas, poisar na minha mão
e além, nos cabos cerrados onde a quilha de um barco
atormentada
se levanta

tacteio os olhos cheios dos albatrozes
e daqueloutras, as gaivotas,
e vejo-lhes desenhados contornos mudos
e desejos, silêncios rotundos
de sílabas agoniadas dentro das bocas
- vertigens hipodérmicas,
funduras d’águas e d’ íris naufragadas.

verdes as águas
e verdes as pupilas do condor

leio-as
numa ortografia simétrica de olhares.
sei-as autênticas, genuínas, verdadeiras…

caminho a areia, em sedas d’ousadia…
sempre nua
sempre prenhe desta vontade de voar tal estas aves…

hoje, nesta praia vazia
li todas as palavras que não disseste, todas as mímicas,
todas as químicas
todas as memórias que nunca esqueceste
salinidades
na ortografia fresca deste mar de fogo lento.



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