FARO-LISBOA-PORTO

Data 29/06/2008 18:16:56 | Tópico: Contos

Talvez porque falamos sobre mim, segui caminho sem pedir um contacto, sem estabelecer uma ponte para o futuro. Não houve um número de telefone ou morada, apenas direcções vagas. – Eu vou por ali, e tu? – Eu? Regresso a mais uma semana, em Lisboa. Disse-me, apontando para uma imensidão de casas, escritórios, lojas, ruas e praças. Segui caminho para um lado, ela para o outro, e até nunca mais. Soube-o naquele instante em que dissemos adeus, sem mais. Talvez não concebesse repetir um encontro assim. Uma conversa improvável, apenas sonhada, recordação sem importância, pelo tempo desgastada.

As despedidas foram curtas, as primeiras do dia, desconhecendo nessa manhã que haveria mais. O jornal debaixo do braço, o companheiro de viagem de sempre, e um pequeno saco, eram a carga estritamente necessária. Entrei no comboio, em Faro, rumo ao Barreiro, planeando atravessar o Tejo no cacilheiro, seguindo em Santa Apolónia para o Porto. Iniciei a leitura quase a eito, que a viajem era longa, rematando umas férias bem agradáveis e económicas. Alheio ao entra e sai de gente, seguia a paisagem a espaços, pela vidraça.

Dou por mim, atento aos traços da rapariga sentada defronte. Os olhos seguem o corrido das linhas do livro que tento espreitar o título. Já no Alentejo, em resposta à minha curiosidade, inicia-se a conversa sobre livros, e as leituras que deles se fazem. São muitas as cabeças a magicar ideias para pintar o papel, e assim, a conversa rendeu até à estação terminal. Passados para o convés do barco, apetrechados de sacos e bagagens, aproveitávamos a brisa a esbater o sol alto. Na água verde uma novidade, anémonas gigantes voavam à superfície. A cumplicidade voava também, mas para campos inesperados, mergulhando. Talvez integrando toda a troca literária, era chegado o momento de dar a conhecer a pessoa que interpretamos da imagem à nossa frente, de roupa esvoaçante e mochilas às costas. A personalidade imaginada, lida nas entrelinhas de muitas leituras, nacionais e estrangeiras. Era suficiente espreitar a superfície da água para reflectir a realidade e corrigir conceitos. Uma troca entre almas gémeas, expor o pensamento sem medo ou reserva, e agora sei, também o sentimento. Uma surpresa, um imprevisto, sem a segurança necessária nesse tempo passado, a novidade que me impediu de repetir o encontro. Hoje, uma conquista partilhada com as almas gémeas que se vão encontrando.

Garrido Carvalho

Junho ‘08



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