DISCURSO DA PRIMAVERA SEM FLORES

Data 21/07/2008 14:45:44 | Tópico: Poemas -> Sociais

"Não há mais tolos boquiabertos
esperando a palavra do 'mestre'.
Dai-nos, camaradas, uma arte nova
- nova -
que arranque a República da escória."

- Maiakóvski -



o poema pode não adubar a terra
mas deve incomodar os que se proclamam seus donos
o poema não devolverá a vida
a irmã doroty chico mendes e outros mártires
mas deve agir como um fantasma a assombrar seus assassinos
nas noites escuras sem estrelas sem nada


não é hora de cantar o amor
não é hora do poeta se esconder atrás de beijos e flores
é obrigação do poeta gritar alto
contra aqueles que escravizam e mutilam
homens mulheres e crianças nos campos de sisal
ou deixam seus pulmões apodrecerem nas minas de carvão
nas fábricas de cimento em troca de miseráveis dinheiros

é dever do poeta fazer uso da palavra
em nome daqueles que despencam dos andaimes
erguendo edifícios para as negociatas
de bandidos embrulhados em seus ternos e gravatas importados
que a portas fechadas ajudam a vender
o país aos poucos

o poema não será a cura das epidemias
mas deve marcar presença nos funerais
daqueles e daquelas que morrem
na imundície dos hospitais públicos

o poema tem a obrigação de chorar
as lágrimas de mães viúvas e órfãos
sim chorar por todos que perderam seus filhos e maridos
vítimas de uma polícia que alega fatalidade
sob a mentira do estrito cumprimento do dever

o poeta mais do que depressa
precisa deixar o limbo da sua torre de marfim
incendiar os comícios
fazer valer sua voz ainda que rouca ainda que fraca
e dizer palavras afiadas como a foice
pesadas como o martelo
transformar seu verso numa bandeira de guerra
em nome da igualdade e da paz

___________________

júlio s.


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