Visões, quem não as tem?!

Data 01/08/2008 12:33:21 | Tópico: Crónicas

Visões?, quem não as tem?!
Em toda a minha vida de pernalta, já tive várias. Desde a descoberta do fingimento do orgasmo até ao pensar que o melhor figo é aquele que vem parar direitinho às mãos.

Desta vez foi quase verdadeira a minha visão.
Era noite. Pouco depois das duas da manhã.
Uma sombra em passo tosco acompanhava-me. Só depois descobri que a sombra era minha.
Ao virar a esquina da mercearia do Vilas, mesmo ao pé de um lampião de fraca luz amarela, ele lá estava: um ser esverdeado, deambulando pela rua, reflectindo uma luz de prata, equivalente aos olhos da morena que esteve comigo no motel do Barradas.

Meus olhos já me enganaram, mas desta vez posso garantir que não. A poucos metros de mim estava um ser iluminado, meio curvado, talvez pelo cansaço da sua viagem, talvez sua ossada seja mesmo assim. Do seu corpo saía uma bafagem de névoa quente que o envolvia, desfazendo-lhe os contornos do corpo. Nunca vira ser tão estranho pelas redondezas.

De repente começou a trautear uma canção e, eu jurava ser o refrão de um desses parolos que dá na televisão. Já andaria ele por cá na Terra há algum tempo ao ponto de aprender o nosso vocabulário? Será dos que rapam o tacho na esperança de um Aladino?
Lembro-me que tremi feito canavial em hora de vento acelerado.
Mas, apesar da força do medo, mantive-me quieto, sem deixar escapar o mínimo gesto a declarar a minha presença ali.

Observava o ser estrangeiro com a perspicácia de um detective, camuflado por entre os arbustos, com umas rezas miudinhas para que um péssimo veredicto não sobrasse para mim.

O tal Ser, puxou de um SG Ventil que o tratou logo de o consumir, com sua bocarra a descair para um dos lados.
Dei mais um trago na botelha de gim que sempre me acompanha no bolso de dentro do casaco que, após boa decilatrada pelas goelas abaixo, confirmou o meu estado de consciência.

Pensei em meter conversa com o E.T., afinal esta seria a grande descoberta do século XXI; estar cara a cara com alguém que apenas habita em nossos pensamentos não é inventar um 13 de Maio.

Até tinha uma série de perguntas para fazer, ou, uns golpes de karaté se a coisa desse para o torto.
Num ápice, anulei as duas hipóteses e, fui observando a postura do tipo verde que, de quando em quando, apanhava uns objectos do chão (cartões, plásticos, pontas de charros, garrafas vazias, soutiens rasgados, camisinhas tamanho pequeno e até alguns molares), para depois os meter numa espécie de carrinho espacial.

Facto número um: todos os movimentos eram estranhos. Facto número dois: a chegada de outro ser esverdeado confirma o facto número um.

Quando o outro chegou, trocaram entre eles palavras mais afiadas, num idioma de quem tem faltado a muitas missas.
Falavam de um lance que o árbitro não assinalou, que o meu clube de futebol é melhor que o teu, que o nosso Primeiro é isto, que a democracia já não usa cuecas, que se não fossem a chegada de algumas brasileiras teriam de brincar ao cinco contra um.
Depois riam-se como abéculas medonhas a fugirem para as suas tocas.

Farto de não entender aquele aparatoso teatro, resolvi, como que puxado pelo sangue quente que me corria nas veias, chegar-me bem perto deles, sem recear nem duvidar.
Quando a minha decisão estava convencida a ser, a ter um tecto, passou por mim um camião iluminado que parou junto dos seres verdes, com duas listas brancas horizontais na roupa que traziam e, levou-os.

Parei meu relógio interior e, posso até jurar mas, por falta de provas, não o faço, porque, ainda hoje fico a pensar se aquele camião que levou os Seres dali para fora seria uma nave espacial ou se seria mesmo o camião da câmara municipal que andava a recolher o lixo à noite.
Não sei não.

Da próxima vez que isto me acontecer, terei de poderar todas as hipóteses para que não me chamem lunático. Visões, quem não as tem?! Até o pardal quando lança bitaites à pardaleja, vejam lá!

Mas, meus senhores, minhas senhoras, minhas musas, minhas culpas, não adianta puxar lustro aos olhos porque a coisa é fácil de se ver, que eles andam aí, andam!

- Valha-nos Jesus, Nossa Senhora, ia jurar que ouvi alguém falar em aumentos salariais, reduzir impostos...
- Visões, meu amigo. Você continua com visões!
- Quem está aí? Responda! Socooorro, tenho um ministro dentro do sapato!
(a voz do povo):
- Cal-ça! Cal-ça! Calça o sapato!
(meio segundo de reflexão e...):
- Splash!!Plaf!!!


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