No Fim do Mundo

Data 02/08/2008 18:15:50 | Tópico: Prosas Poéticas

Deixei a noite cair. A escuridão que cobre as ruas dá-me a coragem que preciso para que possa mover-me entre as razões que desconheço e as loucuras que guardo. Sou mesmo assim, alucinado, mesmo que não me queira aceitar, que importa? Sou como sou!
Trago roupas do passado e com elas me visto de acontecimentos já esquecidos. Sou moribundo e não aceito que mo digam, nem tão pouco quero ouvir-me.
Cada passo meu leva-me a lugar nenhum, e, quando é dado, envolve-se na calçada do passeio solitário e, no acto desmedido, acorrenta-se ao negrume do alcatrão da estrada intransitada, prendendo o meu corpo ao momento em que desfaleço e desapareço de mim. Vivo a minha vida assim, a fugir de mim, e, no que me resta, sei que nada presta, por isso me escondo dos outros e, incólume, aguardo o meu fim.
Não quero ouvir vozes! Não afixem cartazes que nem tão pouco sei ler. Riam-se de mim, porque já nada importa, já nada passa por aqui neste espaço mortiço e fechado de mim. Sou apenas mais um corpo esquecido. Nada se move ou faz o vento, nada sinto e, nesta escuridão em que vivo e com a qual sinto os dias que me fogem, torturam-me as vontades e saciam-me os castigos.
Sou o que resta de mim, abandonado, na heresia dos olhares que não me vêem e assim vou continuar até ao pôr-do-sol, onde, então, soará a hora de anunciar o meu fim.
Se acreditasse em mim saberia que tal anúncio já aconteceu, e evitaria que, na luz do dia, o meu corpo fosse notícia.


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