o morto, josé

Data 04/08/2008 11:04:43 | Tópico: Contos

de todas as esperas faço um pé de meia que guardo numa caixa coberta de pó no sótão. quando o gato mia tiro um sapato para lhe atirar e ainda com uma dor qualquer a servir-me de companheira, atiro-lhe com a agulha. e a vida sem ti devia ser sempre assim, um atirar de agulhas a pêlo de gato que mia assustado.
o relógio da sala comeu as horas quando morreste e a tua morte, josé, foi a morte de todos os quadros das paredes. no bule o chá arrefece.
e os meus dedos procuram-me o peito para me tapar um buraco vazio, toda a falta que me fazes! cresço sempre muito quando me levanto e já na janela assisto ao descer do sol, a trajectória de sempre que agora tu, meu velho e morto marido, não podes ver. apago as luzes e espero com as mãos embrulhadas no avental. hão-de haver dias e dias atrás deste fim de tarde,
dias e dias em que a tua voz não me chega da cozinha, em que o chá não aquece e o gato ainda mia, o gato ainda mia e eu, agora, sem agulhas para lhe atirar.





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