Corpo do nada

Data 14/08/2008 13:51:23 | Tópico: Textos -> Crítica

















A vida começa a pesar-me, a estrada agreste aproxima-se do seu términos, os meus passos vagarosos e trôpegos deixam um suave rasto na calçada.
A solidão penetra o meu corpo como alfinetes, entorpecendo a pele desidratada. As minhas mãos afáveis encontram o nada…
O sorriso…Ah! o sorriso timidamente desenha-se no meu rosto marcado pelos espinhos da doença…
No meu cérebro ainda existe uma réstia de recordações. Recordo-me de ti, tu que um dia amei e plantei-te no jardim da minha existência sem nunca saborear o néctar desse amor. Tu que o passado sopra como uma brisa cortante mescla de afabilidade, ainda vives dentro deste meu coração cansado de palpitar.
Fixo o vazio longínquo … o meu olhar deixa transparecer a ânsia do fim, nada me resta neste corpo afadigado…. só a tua recordação.
O que faço então… ainda aqui? Porque não tenho paz? Achas que não a mereço, tu que me olhas do infinito? Porque deambulo neste mar de desilusão sem futuro?
Sinto-me abandonada, marginalizada e improdutiva. A sociedade olha-me como um cadáver ambulante.
O peso da minha improdutividade incomoda o funcionamento materialista de uma multidão egocêntrica e indiferente. O ser humano transformou-se em pequenas células edemaciadas, perdendo o sentido da totalidade, do sistémico… cada célula consome mais e mais, esquecendo a utilidade diferencial para a qual existe…. E eu o que faço ainda aqui?
Da minha velha cadeira, desbotada e gasta olho o mar….espero o início que não chega, só me resta a tua recordação, o teu sorriso brincalhão, a tua voz doce…
Permaneço assim, até que a minha “fiel amiga” me leve no seu manto de luz, transformando-me em pó.

Escrito a 14/08/08



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