Banho de sal

Data 16/08/2008 15:17:26 | Tópico: Textos

Ela tinha nos olhos água potável, uma espécie de luz decomposta em gotas, testemunhas mudas dos sonos atrasados. A tudo temia, quando o espelho, eloqüente, desencorajava-lhe os pensamentos e, como alguém que nunca se demonstrava, pintava um carnaval no rosto. De janeiro a janeiro. Carregava um sorriso grande e sem propósito no rosto duro, argumento e muralha que lhe serviam de proteção insalubre contra toda sorte de insinuações. E porque era de aquário possuía a propriedade funesta de saber da existência a dualidade e ainda assim amar. Enxergava oásis hipnóticos no açúcar derramado no tapete enquanto ouvia repetidas vezes a mesma história que toda consciência conta quando quer se livrar de interrogatórios. Ela era bonita, mas não sabia. Ela era, ao avesso, uma mulher só. Certa vez, e porque o mundo tem o hábito de continuar de onde paramos, ela mergulhou suas chagas num banho de sal e chorou muito, chorou até dormir. Assim, lavou-se finalmente de todas as estréias. Quando acordou percebeu-se outra, que agora atende pelo meu nome.


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