DO CADERNO DE ANNABÁRBARA

Data 20/08/2008 18:52:31 | Tópico: Poemas

às vezes esqueço que sou mulher. às vezes esqueço que estou no brasil: entro num botequim vagabundo. peço conhaque barato. entorno de um gole só. acendo um cigarro. meus olhos viajam. agora estou vendo o mar de ipanema. peço mais outra dose.machos de merda ficam me olhando. nunca vão me comer. não sei se olham o jeans surrado, os meus tênis sempre sujos, a minhas tatuagem nas costas, que a camiseta regata não esconde. acho que desejam apenas a minha bunda. machos de merda. depois ficam horas no banheiro dos lugares mais nojentos que habitam.não sabem nem sonhar. não enxergam as lágrimas dos meus olhos, salgadas como o mar de ipanema. quando eu tinha 15 anos e apareci com este dragão tatuado nas costas, minha mãe me disse: - "Bárbara, você é um caso perdido."pouco antes de me mandarem para a frança, minha mãe achou a metade de um baseado e uma caixa de camisinha dentro da minha mochila: "- Bárbara, você é um caso perdido", ela repetiu.quando eu voltei de paris, grávida de um homem vinte anos mais velho, mais uma vez ouvi minha mãe dizer: "- Bárbara, você é um caso perdido."quando eu soube que o meu filho estava morto dentro de mim, repeti para mim mesma: "- Bárbara, você é um caso perdido." eu queria morrer com o meu filho. na verdade, morri um pouco. minha avó disse que era castigo de deus, e eu passei a sentir nojo de deus, porque não achava direito aquele que tudo criou, como dizem, roubar de mim o meu bem mais precioso. só quando minha irmã mais nova me emprestou seu colo para eu chorar, eu descobri que nem tudo estava perdido. e disse comigo mesma: "-Bárbara, a vida não é um caso perdido."me lembrei que tinha dezessete anos. e assim continuei vivendo. e assim continuei e continuo - escracho do meu escracho.

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publicado sob o pseudônimo de annabárbara


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