O Fogo

Data 31/08/2008 02:28:18 | Tópico: Contos

Dona Lina estava muito arrependida, mas não o suficiente para confessar diante daquele sargento que lhe falava com veemência enquanto os bombeiros controlavam o incêndio causado no mato. Ele dizia do trabalho que tinham diariamente com aqueles fatos e que a maioria era ocasionado pelos moleques que botavam fogo no mato de propósito e saiam correndo, que se ele pegasse um, levaria imediatamente para o abrigo, ou se fosse o caso para a delegacia.
No íntimo a senhora aflita prometia nunca mais tacar fogo no matinho ao lado de casa. Mas como imaginar que o vento forte lambesse o fogo para todos os lados? E se chegasse à fábrica de barcos próxima, com tantos materiais inflamáveis pensou alto – Ai, meu Deus- repetia diversas vezes baixinho.
Será que seu Afrânio ali do bar viu quando ela começou o fogo para limpar o lixo, e será que a denunciaria, ou por outra, lhe faria alguma chantagem- pensou.
A coitada passou horas de sufoco chegando quase a esquecer o compromisso da tardinha, um culto na casa da vizinha evangélica em comemoração ao aniversário dela. Dona Lina, mulher católica não se importava nenhum pouco em marcar presença na casa da amiga de quem gostava muito, de modo que se arrumou pegou o presente comprado e foi para a festa ainda com o coração ruminando.
Quando chegou o pastor já havia iniciado o sermão e justo ali falou dos pecados que devemos confessar uns aos outros em união, para não sermos condenados e a senhora ouvia aquilo e a cabeça dava um turbilhão outra vez, coisas de culpa recente...volta e meia algo lhe acusava durante as pregações que se alongavam, até que uma turma começou naquelas orações em voz alta e dona Lina, sem agüentar mais, extravasou:
-Eu queimei, eu taquei fogo, eu queimei sim...mas não foi minha...
No instante em que ia falar outros se levantaram e lhe deram apoio imediato
-Isso minha irmã, queima , queima porque nós queimamos também todos os males porque somos filhos de Deus e entregamos nossas dores.
A situação foi ficando cada vez mais complicada, dona Augusta cantava hinos de alegria pela “conversão” da amiga justo no dia do seu aniversário, ela que já vinha tentando ganhar esta alma por diversos meses... seu Afrânio, o do bar também resolveu se converter já que dona Lina foi, e ninguém ali estava entendendo que ela falava do acontecimento da tarde.
Quando voltou para casa ainda tonta de tanta emoção, dona Lina achou que aquele dia fora muito confuso e resolveu dormir mais cedo na esperança de amanhecer melhor, quem sabe...



Nina Araújo




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=50497