
ADÃO E EVA - Parte VI (Introduzindo a Serpente)
Data 03/04/2007 16:20:00 | Tópico: Contos -> Humor
| Eva continuava a manter-se à distância da árvore, e Adão acabou por se sentir seguro e deixá-la em paz. Eva não se precipitou em ir tomar sombra debaixo da árvore, para não provocar alarme. Depois de algum tempo de quarentena, diga-se, começou a frequentar o jardim proibido. E foi lá que encontrou a serpente. Ela estava estendida, num recanto, ao sol, secando as escamas. Ao ver Eva, levantou-se de um salto, e deslizando, aproximou-se dela, fez uma vénia [não sei dizer como] e disse: – Avé Eva, cheia de graça, bendita és tu pois não tens rival, nem sogra. Eva não compreendeu a saudação e ficou zonza a olhar para a serpente. – Não tenhas medo, ó Eva, vim te dar uma boa notícia: engravidarás pelo Espírito Santo e terás um filho que se chamará Jesu... Ops! Desculpa, declamei a frase errada... – cortou a serpente atrapalhada. Refez-se e recomeçou, olhando para o PDA, sob a estupefacção de Eva: – Bom... Não tenhas medo, ó Eva, vim-te dar uma boa notícia: comerás a fruta e ficarás inteligente. – Queres que te parta as trombas? – disse Eva furiosa à serpente. – Estás a dizer que sou burra. Não sou loira, não. O meu cabelo é oxigenado. – Ah! Estou a ver – concordou a serpente. – Burrice artificial. – Queres ter de começar a andar com muletas? – ameaçou Eva. – Volta a chamar-me burra e parto-te as pernas. – Mas eu não tenho pernas – reclamou a serpente. – Arranjo-tas e parto-tas – explodiu Eva. – E sai perto de mim. – Mas Eva... – Sai! – Olha, Eva, espera só. Deixa-me fazer o meu trabalho. Tenho de falar contigo. – Falar sobre quê? A inteligência? Quem te disse que não sou inteligente? – Ninguém me disse. Mas não é bem assim. Deixa-me explicar. Nunca leste a Bíblia?... Estás a ver. Eu também nunca li, mas correm rumores de que na Bíblia a serpente tentou a mulher. – Estás a faltar-me ao respeito ou quê? Eu sou tua mulher? Vai tentar a tua mulher e deixa-me em paz. – Eva, não queres a inteligência? Eva pegou a serpente pelo pescoço e apertou-o até ela tirar a língua. Com as suas unhas compridas, rasgou-lhe a língua deixando-a bífida. Depois atirou-a para o chão. A resmungar afastou-se da Árvore Morta, dizendo: – Burrice artificial, hem? Já aprendeste. A inteligência? Eu sou inteligente. Já viste, já aprendeste. A serpente, refeita da dor e pondo em ordem todos os seus sentidos, afastou-se, a resmungar também: – Bolas! Hoje em dia, já ninguém pode fazer o seu trabalho sem chatice. Estas mulheres de hoje! Julgam que sabem tudo. [Será que havia outras mulheres?] Mas, pelo menos, ficou claro que isso de inteligência não pega com ela.
Eva já estava farta do Jardim Colorido, o recanto mais bonito do Paraíso, o seu coração. Conhecia de cor a decoração daquele coração, queria que se mudasse aquilo. Sabia onde começavam e acabavam as flores vermelhas, as azuis, amarelas... conhecia a disposição das cores das flores de cor. O prazer que tinha quando se sentava naquele canto para descansar esfumara-se. Já não sentia nada, a contemplação daquele sítio tornara-se monótona e sem alegria, precisava de coisas novas ali. O espírito de Eva estava sempre insatisfeito, a decoração do Jardim Colorido já tinha sido mudada trezentas e duas vezes, mas ela mesmo assim enfastiava-se dela. Decorara todas as mudanças decorativas feitas e só pedia novas mudanças, nunca o que já tinham usado. Por isso é que se dirigiu para a DIABO, para resolver a questão da ornamentação do Jardim Colorido, o seu cantinho preferido. Também queria que trocassem os pássaros daquele local, porque os que lá estavam já lhe pareciam desafinados apesar da sua sinfónica melodia, até mesmo os pássaros mozart e beethoven ela não queria ali. Ao entrar na sede da DIABO, Eva deu de caras com uma mulher, bela que se fartava, e pensou: Que mulher bonita! Se Adão a vir, vai-me deixar! Sem olhar de novo para a mulher, exclamou para os arcanjos que viu: – Que criatura tão horrível! Ora! Como Deus pode permitir que coisa igual esteja no Paraíso? Eva começou a falar, menosprezando a dita. De repente, um anjo muito jovem, cadete de arcanjo, começou a rir e Eva estranhou. – Que estás a rir? – perguntou, desconfiada. – Aquilo ali é um espelho, senhora Eva, aquela não é ninguém, é tua imagem. Tu és tão burra...! – Ah, sou! Estás despedido – disse Eva, irritada. – E pensas que eu não sabia que aquilo era espedo e que estava a ver a minha imagem? Eva saiu da DIABO furiosa, esquecendo-se do que a levara lá. – Estou mesmo despedido? – perguntou o anjo cadete ao arcanjo-chefe da DIABO. – Receio que sim, meu caro anjo. – Mas não é Adão o dono disto? – Mas é ela a dona de Adão, o resto é fachada.
Já na rua, um tanto distante da DIABO, Eva sorriu: – Oh! Como sou bonita! – exclamou. – Vou ter de arranjar um espedo para mim. Cristo! Um relâmpago acendeu e apagou-se: – Chamaste-me, estou aqui – disse uma voz. – Sou o salvador dos homens. – Não te chamei, apenas exclamei. Mas como já cá estás, eu queria um espedo. – O que é isso? – perguntou Cristo. – Uma coisa para ver a minha imagem. Cristo – perguntou Eva – , achas que sou bela? – Olha, Eva, não sei dizer. Tu és a única mulher, não tenho com quem te comparar. Não sei se és bela. – Sou – disse Eva. – Deus fez-me perfeita. – Pode ser perfeitamente feia – atreveu-se Cristo a dizer. – Cristo, vai-te embora. Já não preciso que me arranjes espedo, Adão vai-o fazer. – Mas eu é que devo – reclamou Cristo. – Sou o salvador dos homens. – Vai-te congelar, Cristo. Não és salvador de nada. – Mas já te salvei duas vezes quando estavas a nadar e ias afogar-te. – Salvaste-me, sim, mas eu não sou homem, eu sou mulher. Tu não podes ser salvador dos homens porque aqui só há um homem, Adão. Vai-te congelar, vai. Eva não gostou nada que Cristo lhe tivesse dito que era feia, por isso é que se vingava.
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