grito mudo

Data 02/09/2008 11:44:18 | Tópico: Textos

tenho o maxilar deslocado e ainda assim berro, grito, exclamo, proclamo o infinito preso em meia dúzia de palavras num papel, o papel prende-me as mãos num silêncio de equações. tenho o pequeno almoço a bater-me à porta e os pés presos ao tecto, há sangue a habitar-me o peito onde um beco sem saída desmaia, lá fora cantam os sinos a rebate e choro. tenho uma carta escrita nos olhos arregalados, o frio que daqui se faz sentir não me desaperta a camisa, bate, bate sobre a cómoda a cabeça, à noite tudo é pesado, demasiado pesado para ser grito. fico. talvez haja um pote de ouro escondido entre os meus dentes, a boca é casa de tantos desconhecimentos... a amargura adensa-se e é tarde para ser feliz. há um relógio que se contor-se tanto ou mais que eu, nas pares santos que não me valem nem te valeram, e a minha vida é um baralho de cartas de onde fugiram os ases. não choro por me pesarem os pulsos em direcção ao chão e se chorasse por isso estava capaz de me fazer um ultimato. cravo os meus dentos nos lábios e serro as palavras como pedaços de madeira para queimar em lume brando, a lareira está acesa e já ardem os meus pecados. sete da manhã e ninguém me entende, possivelmente estarão a tentar descodificar-me em metáforas, não há nada mais que queira que saibam, nada.

levaram-me a minha avó.


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