O Juá de Carlinda

Data 02/09/2008 16:23:42 | Tópico: Contos


-Toinho, que cabelo reco é esse menino?
-Foi Cazuza do Bitéu mainha, ele que fez! Me deu dois trocado mode eu cortá.
-Ô consumição da moléstia!!! E tu foste se vender por dois trocado, condenado?
-Tava precisando mainha, depois cresce, num sabe...
-Apois cresce também esse cascudo que já vou lhe dá, visse?
E Carlinda saía correndo atrás do moleque já tão acostumado a correr as léguas descalço pelo solo agreste, dando cavaco em pedregulhos e espinhos de mandacarú.
A mulher nunca pegava, mas fazia menção de ir para impor seu respeito.
A birosca ela levava com pulso forte e boa comida, treinou duas sobrinhas na arte de receber as pessoas, e ia levando a vida entre o trabalho duro e a esperança.
Aquela esperança dava-lhe uma alegria inconfessa,um frescor dos dias, nunca foi mulher de ir atrás dos homens, às vezes não conseguia evitar os agrados constantes, mas seu coração tinha dono, embora não fosse de trancar a cara.
E se perdeu o grande amor da vida para aquela estrada longa, não ia também sangrar o pulso nem botar a goela numa corda, como fazia um tipo de gente besta.
Mas aquele mascate tinha trincado o seu coração, e Carlinda sabia que o miserável era bem capaz de voltar um dia como prometera, por isso gastava seu descanso ali no tamborete debaixo do pé de juazeiro, olhando a bicha dá passagem para os carros...
Seu pai ensinou que o juá curava até doença ruim, lembrou do irmão de seu avô Biú que no ano de mil novecentos e quinze, bem desenganado pelos médicos da capital, com a tal tuberculose, voltou para morrer em casa, e de tão desleriado se embrenhou no meio do mato alto lá para os lados da serra, e vivia de comer juá e outros frutos brabos, quando pensaram que o homem estava morto, ele apareceu vivinho e curado da malvada.
-Ah, juazeiro que cura os males dos homens, traz aquele que levou o meu juízo para longe de mim...
Assim Carlinda passava as tardes serena e dengosa. E o menino zunindo como azougue em volta da árvore.
- Volta aqui, moleque!! Se pego , arranco seu couro...



Nina Araújo




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