interruptor

Data 08/09/2008 17:02:36 | Tópico: Textos

às vezes interrompemos o que somos para fugir. fugimos de nós com os pés a bater-nos no cú, vamos com a mesma pressa com que voltamos, somos viciados. eu passo meia hora à procura do maço de tabaco e um quarto de hora a fumá-lo. o mesmo me acontece com a vida, fumar a vida é alimentar um cancro. às vezes dou comigo aos encontrões às paredes, instalo-me num lugar seguro e assisto ao espectáculo, esta casa vira um circo com pessoas que aplaudem ao som de tambores e um palhaço a alimentar a plateia, eu rio, o mundo come-nos. a minha carpete é um cemitério de beatas, mas às minhas beatas dou-lhes um tratamento vip, ficam ali até apodrecerem e não há cristo que lhes valha. por falar em cristo, ainda ontem vi um gajo ali nas docas com o cabelo comprido e um saco de batatas vestido, ia jurar que era o herói das bandas desenhadas cristãs, mas quando atentei à cabeça não lhe vi a auréola e logo guardei no bolso o papel e a caneta não fosse o diabo pensar que lhe queria um autógrafo. às vezes passamos por nós mesmos e acenamos porque do lado de fora até somos bem parecidos, é o mistério de ser, somos coisas que eu sei lá e ainda julgamos que não somos nada e desperdiçamos noites de sono a julgar-nos mal. vítimas. dêem-nos um pau e fazemos dele um ceptro, dêem-nos um boné e fazemos dele uma coroa. vítimas. às vezes fugimos de nós numa tentativa de desculpar o que somos mas o que está feito já não tem remédio. e enquanto fumamos a vida o mundo come-nos e quando damos conta já não temos pernas para fugir.


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