Vovô Foi Ver o Mar

Data 09/09/2008 16:04:53 | Tópico: Contos


-O senhor já foi novo, vô? Esse é você mesmo?
O ancião sorria para o neto que esperava exigente por uma resposta do alto de seus cinco anos recém-completos. Embora soubesse que mesmo entre gente grande, muitos ainda pensassem que os velhos nasceram velhos..
-Claro Tom Tom, seu avô foi um rapaz bonito de bíceps forte e bem mais alto do que é agora. Olhe o meu bíceps, põe a mão ...
Seu Jorge mostrava o braço enquanto aproveitava para explicar ao menino o que era um bíceps. A criança parecia não acreditar quando viu as fotos do avô surfando naquele pranchão grande, escorregando numa tabuinha à beira-mar ou pegando “jacaré” nas ondas... Só sossegou quando obteve dele a promessa de ensiná-lo a pegar onda daquela forma, no próximo fim de semana.
Naquela noite a criança dormiu o sono dos anjos de tão cansada e encantada por ouvir as peripécias do avô e viajar com ele nos anos através das fotos.
Quase todos haviam se recolhido quando Eduardo encontrou o pai na sala grande, ouvindo seu disco de choro a meio som para não incomodar. De frente para a janela e olhando o mar com um cálice de licor nas mãos, o homem parecia sereno de olhos cerrados.
-Coisa boa essa música papai!
-Ô meu filho, você não está escrevendo?
-Sim terminei um conto agorinha... E que saber?
-Fale!
-No final percebi que tudo o que escrevi era sobre você!
-Sobre mim? Por que, meu filho?
-Estava falando sobre o mar, das vezes em que sofri com saudades dele, quando fui estudar longe, a quantidade de fotos que você me mandava para matar as saudades... quando dei por mim, era você o meu personagem centra!
O velho ex-marujo, almirante condecorado, estava emocionado com as palavras do filho, mas o jeito mineiro não deixava a lágrima cair tão fácil assim...
-É filho, sou um homem satisfeito! Tenho uma filha linda na Marinha, um escritor que fala do mar, uma mulher velejadora e um neto futuro surfista! Quando minhas cinzas estiverem lá na morada definitiva em alto mar, terei sido a alma mais feliz a habitar entre os corais!
-Voce nunca morrerá, meu velho!
-Não meu querido, eu sou como uma onda...Mas amanhã tenho uma consulta no médico,hehehehe...
Os homens ficaram ali por muito tempo, saboreando os acordes e o barulho doce das marolas, numa noite de verão carioca.




Nina Araújo


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