vila verde é um ninho (texto do encontro)

Data 23/09/2008 16:23:09 | Tópico: Textos

pelas minhas contas é domingo e a tarde encolhe-se por entre as palhas de vila verde. vila verde é um ninho, um ninho do tamanho de um coração que bate entre ervas daninhas que no inverno a geada come e uma alameda de sonhos semeados em dias de vinho verde. há rostos familiares agora em mim pousados, há duas mãos a segurar-me como se estivesse prestes a cair, e estou sempre, há uma ou outra flor plantada no peito de um ou outro corpo lançado ao abandono, há corpos que me olham mas não me vêem e passar despercebida é um passatempo meu, um parar obrigatório às portas de uma passadeira num caminho de terra batida que dá para a minha casa. a minha casa é uma tapada com um poço, o poço em vez de água dá letras, letras que formam palavras num mundo de textos virados ao avesso, e o avesso não será o corpo a fazer o pino? calo-me. hoje por ser domingo é um dia triste e os corpos que me olham já devem ter cheirado a minha melancolia, há dias de acordares feios e há outros dias de dormires pesados como os passos que agora se ouvem por detrás do texto. o texto, este, podia ser morto agora com um ponto final mas sinto-me na ousadia de lhe não pôr termo, o fim antecipado das coisas pesa-me nos ombros e dobra-me as costas, sempre foi assim. daqui, de onde vos falo, vêem-se montes por detrás de montes a morrer nos montes que o horizonte dissipa, os montes escondem florestas em olhos atentos, despertos, com frutos silvestres a amadurecer nas horas. o relógio está partido e o tempo parou quando o pardal poisou as patas no ninho que é vila verde. é domingo e adormeço as lágrimas com uns viras do minho.

p.s. não estar aí. não estar em lado nenhum e ainda assim ocupar a ponte que liga os vossos olhos ao coração. deixar-me morrer na boca do homem que me lê e esperar que me leia devagar, como quem desfolha milho, esperar que em sussurro abrace o homem que sofre uma esclerose com um cigarro sentado à porta do 77; o nómada onírico que desce à génese; o homem que se enforca na oliveira do seu quintal e é testemunha da morte de maria cura; aquele que canta ao poema inútil um hino brasileiro; o outro que tem um cão que nunca ladrou ao vento; o homem que some por entre o nevoeiro e nunca diz adeus num sétimo vão; o menino freud que diz que não é poeta e escreve quase poemas; o outro que assiste ao encontro de uma ladra com um cão e sempre me chama matilde; a senhora dos sentimentos escondidos que me sabe doente; o que escreve para libertar personagens que não consegue ser; a psicóloga que faz do poema um objecto indirecto; a senhora dos vinhos que é uma das nove musas gregas; o MJMS que costuma escrever fotos em dias de alentejo; ao que escreve com um castelo em ruínas no coração e me ensinou montemor; e os outros, que agora se perguntam quem estaria eu a abraçar e a quem recomendo uma leitura mais atenta.

o texto que vos fala é deste mar salgado, à espera de um rio doce.
Margarete



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