Contraponto

Data 08/10/2008 02:23:39 | Tópico: Poemas



Contraponto

Tristes olhos de crianças famélicas...

Aquele olhar manso das rezes...

Diamantes negros,
Pastejando sem pressa,
As narinas úmidas, pretinhas...

Narizes escorrendo misérias verdes,
Que as desnutre e consome,
Deitadas em calçadas imundas,
Cobertas de trapos desbotados...

Os pastos de esmeralda, os trieiros limpinhos,
O descanso sereno,
Sob as mangueiras copudas.
_Você já viu como elas comem as mangas?
Esticam a língua imensa,
Volteiam e revolteiam a fruta na boca,
Até largarem o caroço branquicento pelo chão...

Pobres crianças revirando lixo,
Comendo restos, disputando xepas,
Esquálidos arremedos humanos,
Fadados a multiplicar a dor,
O crime, a miséria...

Os bezerrinhos trôpegos,
Que a mãe cuidadosa lambe,
Amamenta, guia e defende dos urubus,
Dos lobos guará e dos homens...

Órfãos e abandonados,
A promíscua realidade
Que vende virgens magrinhas,
E acolhe fetos marginais e desesperançados,
Em barrigas infantis...

Olhos e dor em dois tempos:
Um olhar à memória doce,
Outro olhar ao presente infame
Dos fatos sem solução...


Ilustração: Paula Baggio
Miséria
Óleo sobre Tela
45x35


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