O peso de tantas vidas

Data 14/10/2008 10:34:07 | Tópico: Textos -> Amor

Acordo sobressaltado com o piar do telefone. Reconheço de imediato o toque melodiosamente maternal do dito e escorrego escadas abaixo.
A ajuda da memória fez com que não me tivesse enganado e ela lá está, carente, insegura, triste, mãe.
Com o seu primeiro suspiro e sem o auxilio da vista já sei o quão grave e antigo é o problema e preparo o coração para o embate.
A razão, que para o bem e para o mal nunca me abandona, é o meu escudo para as palavras gemidas e magoadas que oiço.
Não faço nada, não quero fazer nada, nem ouvir queria.
As palavras brotam sufocadas pelas lágrimas e em breve sinto-me afogar na tristeza alheia. Sinto o gosto do meu sangue enquanto mordo os nós, secos, dos meus dedos em desespero e raiva.
Mas calado, mudo, não respirando sequer. Ouvindo, ouvindo apenas, amando e não compreendendo em silêncio mas a tudo aceitando.
A Luz que cintila em nós é a mesma, apenas cambiando nos tons ou brilhos e creio ser pela diferença que a mais alcançamos.
Deixo que o Amor comande tudo o que sou com a certeza de que é este o Caminho. Sem Medo aceito as escolhas dos outros, por mais dolorosas que elas me sejam, e estou pronto a lutar por elas ou contra elas apenas por Amor a quem escolhe.
Passei a vida a ouvir que aquilo que nos faz é o que fazemos, quando afinal nunca consegui fazer aquilo que realmente queria.
O alcance dos meus actos é diminuto quando visto do alto da minha consciência e desconfio que nem uns, os actos, nem outra, a consciêcia, derivam inteiramente de Mim.
Sinto o peso de Tudo o que vive em todas as Vidas. Na minha, na dela,na tua. Tu que me lês,aparentemente apenas porque queres, respondes apenas a uma necessidade tão primária como o comer.
A necessidade de te sentires validado e parte de algo maior que tu próprio. Infelizmente os véus são muitos e cada vez mais dissimulados e perdes-te, perco-me, em observações e análises de algo que nunca foste Tu, Eu.
O peso de tantas vidas passadas criam estradas na Vida das quais é difícil fugir e passamos o tempo a tentar limar as arestas na ânsia de encaixar melhor num puzzle do qual não conhecemos a imagem final. Não aceitando que o nosso lugar sempre lá esteve e estará.
Ela continua o seu iludido desabafo e eu sem nada dizer. Apenas amando e tentando não sofrer com isso. Subitamente, sem que eu nada dissesse, ela própria chegou onde nunca tinha estado. E gostou.
Trocámos, agora sim, palavras nossas e sem nada dizer tudo ficou como devia estar.
Vejo-me uma pequena jangada de carbono, usando o medo como âncora e o amor como vela, navegando no mar de todas as Vidas.



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