à tona do mundo

Data 15/10/2008 12:30:59 | Tópico: Textos



a sombra dos pardais no rio e, ao fundo, encostado à casca de um pinheiro velho o homem segura a vida nas mãos, à borda de uma saudade, na tona do mundo um peixe conta-lhe o rio largo, cheio, até ao mar, profundo como as raízes das árvores a fazer peso nas margens onde alguns roedores constróem subterfúgios. ao homem dói-lhe aquilo tudo, dói-lhe o mundo nas palmas das mãos onde dois buracos crescem, tem traças a comer-lhe a pele do corpo e a voz do peixe, a alguns quilómetros de distância enforca-lhe o coração, dentro do peito, no cárcere da caixa torácica. o homem afoga o destino nos olhos manchados pelo sangue das lágrimas e ouvem-se as corujas monte adentro, o gemer de asas a rasgar o ar e o silêncio a apodrecer as palavras que ele deveria ter dito. o abraço que não deu comeu-lhe as dobras do corpo que se decompôs entre as folhas de um outono a nascer. o peixe calou-se ferido pelo o barulho da tarde a cair. ao longe, atrás do vento, a mão dela ainda espera o calor da dele que é agora, alguns, tantos ossos perdidos entre as fendas.


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=56911