A estupidez é tão velha que já nem escolhe os cegos

Data 17/10/2008 21:53:43 | Tópico: Textos

Corre-lhe a velhice pelas costas abaixo.
Isto acontece sempre que as formas são coisas ditas e as coisas acabam por enformar frases que gangrenam ulceradas.
Ainda no outro dia o tipo falava com o espelho, depois da hora do narciso e comentava que nem a estupidez discrimina. Dá-lhe tanta atenção que nem tenta evitar ignorá-la. Leva um estalo e responde. Acaba por levar outro estalo e depois já nem se cala. Não se aprendem coisas destas quando se cresce ou, talvez, não se aprendam porque não se cresce.
Mistura tudo, bocados de estranho amor com o amor de ser e chega a conclusões ondulantes que se perdem de sentido fora de si. Mas, ainda assim, consegue ver o que diz.
Há dizeres que destoam. Os ditos e os ouvidos quando não são nossos, os deles quando são dos outros... há dizeres que destoam do certo e não se prendem a nada que seja sério. São estes que ficam sempre registados e nunca encaixam.
Há dizeres que destoam e, também, outros que não, que estão colados, que são da mesma cor e sabem sempre ao mesmo. Parecem flores de jardim plantadas em canteiros desenhados à esquadria. São esses que separam as gentes das gentes.
No meio disto, ocorre-lhe dizer que, assim, depressa vai acabar por ficar gasto. É quando sente a velhice a dar-lhe pancada, enquanto lhe desce pelas costas, feita de palavreado cheio com adjectivos e muitas onomatopeias... Pam! Pam! Pas! Tras! Pam!
Dói, decompor-se assim.
Acaba por lamuriar uma ladaínha murmurada... tanto, que é quase inaudível...

Uma palavra calada
Feita de letras mudas,
A boca aberta
Feita de sons e silenciada
Em provações de vida...
Perdida,
O sentir amargo do doce
Que trai o sabor com o vício,
Que mata de forma precoce,
Que mata no o fim do início...
São coisas que moem o ser
Em redemoínhos de suplício.

Sofre o sangue por querer correr
E não ter veia que o aconchegue,
Sofre a carne por querer beber
E não ter sangue que lhe chegue,
Sofre a pele por querer aquecer
E não achar massa que a queira ter.

Fica deitado a pensar, mais uma vez, na velhice. O corpo ainda não o denuncia... pelo menos quando se olha à vista desarmada, desamada, desmamada..
Cegos! Cegos! Cegos! Cego é quem não vê porque não quer. Cegos!
O gajo está lá e mostra-se, clarinho como a água enquanto o gémeo narciso, sempre ele, envaidece com os não defeitos e as palavras caras.
Palavras... palavreado rebuscado elegante, ofegante, com falta de ar, velho, asmático. Depois, lá vêm as onomatopeias da porrada.
Ai.
E a carne que está debaixo da pele? Pois, essa.
A pele lacera-se, a carne macera-se e a velhice cai em cascata costas abaixo, enquanto se agarra aos dizeres que destoam. A estúpida! É sempre assim. Fatalmente assim.
Houve uma altura em que ele tentou revirar os olhos para se ver por dentro e descobrir de tinha forma de rejuvenescer mas desistiu, não fosse lá envelhecer mais depressa, no processo.
E pronto... resignado, guardou-se para o tempo e continuou a palavrear tanto quanto podia.

Valdevinoxis

(este foi inspirado num dizer do Saramago: "A estupidez não escolhe entre cegos e não-cegos" disse ele - http://diario.iol.pt/cinema/jose-sara ... ilme-eua/998076-4059.html)

<div align="center"><style type="text/css"> @import url(http://skreemr.com/styles/embed.css);</style><table cellpadding="0" cellspacing="0"><TR> <TD WIDTH="16" CLASS="sk-topleft"><IMG style="padding:0;border:0;" SRC="http://skreemr.com/images/corner-topleft.gif"/></TD> <TD CLASS="sk-toprow"></TD> <TD WIDTH="16" CLASS="sk-topright"><IMG style="padding:0;border:0;" SRC="http://skreemr.com/images/corner-topr ... ;/TD></tr><TR VALIGN="MIDDLE"> <TD WIDTH="16" CLASS="sk-lightleft3"/> <TD CLASS="sk-lightback3">
<embed allowfullscreen="true" src="http://www.deezer.com/embedded/small- ... 0xFFFFFF&autoplay=1" width="180" height="25"></embed>
</td> <TD WIDTH="16" CLASS="sk-lightright3"/></TR><TR><TD WIDTH="16"><IMG style="padding:0;border:0;" SRC="http://skreemr.com/images/corner-bott ... uot;></TD><TD CLASS="sk-bottomrow"></TD><TD WIDTH="16"><IMG style="padding:0;border:0;" SRC="http://skreemr.com/images/corner-bott ... lt;/table></div>



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=57283