"Política Incestuosa"

Data 18/10/2008 11:54:02 | Tópico: Prosas Poéticas

Há um mundo que se transforma desigual...
Não há memória deste rio terno que chove nas minhas mãos, os olhos distantes, mascarados, são sombras, pesadelos meus...
Uma voz arremessa para longe, insultuosa, último verso que soltei, furiosa, desencadeia neste mundo, princípios de tudo, aqui, criança nasce de novo para inventar o sonho, puro.

Deus nas alturas será fiel aos homens...

Compreendam-se os anjos e os demónios, maior desejo, dobrar as esquinas da vida, poder sorrir um dia inteiro, ser de ar, de fogo de terra e, beber a água santa do céu.
E os meus olhos...
São serenos, paisagens, são medos, são frutos, são tamanhos, são receios, meus recreios.
Na estrada brincam as crianças, o homem sorri com esplendor, o tempo passa, a estrada devora, minha mágoa.
Poetas, são luzes renascentistas, ou somente expressão mediática, separatista, voz altiva devorando, homens...

Eu sou... Aquilo que sou.

Trago nas mãos um pedaço de jornal, carrego nos ombros pedaços de tempo, sou ruas tamanhas, lugares distantes.
Sou simplesmente, um mundo consumindo do seu próprio mundo, criador da palavra para viver o sonho, sou voz…

Passeios à beira mar, os olhos mastigados de sal, espreitam pelas janelas escuras desta alma, o corpo náufraga, o…

O homem cai debruçado no vento, implorando um sentimento.


Sinto-me como que… Prostituído pelas ruas, olhares cinzas, a humidade do solo entra-me no corpo contagiado, a palavra é dor premente, gélido, o olhar…
Solidifica-se a alma, quase não tenho movimentos, os dedos atiram-se ao ar, lentamente, procuram palavras incestuosas para desbravar o poema, que consumo em fogo lento.
A complexidade da paisagem, as escadas do céu escondem a passagem, o buraco de luz alimenta-se do verso, ficam, luzes do dia, palavras infundadas lapidam o poema incestuoso com que me vesti.

Sou pecado…

Corro… Uma brisa de vento esconde-me os olhos, sou inocente quando acordo, pudera ser sempre criança, o sol beija o mar, a lua é noite sofrida que estrela passageira alimenta, o céu, o céu vou devorando.

Será que existo realmente?

Não… Sou demente! Sou demente!

Agarro os transeuntes que passam, construo a maqueta, a cidade enfeita os caminhos com palavras do meu novo reino.
O poema obcecado toma da luz distante um sabor amargo de sonho, sou criança, brinco com as sombras, desenho nas esquinas do mundo uma paisagem de luz…

Perdoem-me…
Quis dar à luz um novo mundo.

Talvez, na minha fraqueza, se vá deitando o sonho, me destituam do poder inocente, me encarcerem a vontade para sempre, eu, deste mundo não seja nada, apenas ilusão consequente, recados atiram os homens, deixam-me às portas prostituídas do mundo perdido.
Hoje, acordei e era um anjo de todas as cores, vendi-me ao pesadelo, entreguei-me ao susto, deixei de ser humano, reparti-me, dei-me e dividi-me, minha loucura, olhar, não sentir nada.

Perdoem-me! Perdoem-me!

A alma chora obcecada, o poema escorrega das mãos sábias, sinistras as paisagens recorrem dos meus sonhos, tantas incertas moradas onde me senti.

Fazem-me falta direitos de gente, sentir-me humano, lutar desenfreadamente com os meus medos, falar com voz desgarrada, entregar às gentes antigas o que resta da minha estrada.

Tantos caminhos em circulo, a encruzilhada é um enigma de sorte, ou, serão estradas do céu e do inferno, que passos de criança devoram, na intensidade de um momento.

Caiem-me da algibeira os versos, os que quis entregar a Deus!

Deus nas alturas será fiel aos homens…

Pálido, olhos de choro, de boca aberta devorando sentimentos, cuspo palavras para o papel, formulando a razão da vida, sou uma máquina de momentos, sou uma peça de artilharia disparando palavras ao vento…

Não obstante, o mar na sua crueldade chama-me nomes, as praias desertas desenham na areia o meu nome…

Prostitui-me, vendi-me…

Ansiei por este momento, com dor, entreguei tudo de mim, quis não estar mais desatento, construir um mundo…

Um mundo que não fosse apenas o meu mundo…

Um mundo de crianças.


Paulo Themudo


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