Palavras sem rosto

Data 16/04/2007 11:34:37 | Tópico: Poemas

Não, não são minhas as palavras com que escrevo estas linhas.
Nem sequer tuas, que aqui as lês...
Que uma vez soltas, as palavras, têm bocas intemporais.
São elas próprias, Vates, Cantadores ou Jograis...

As palavras são arquétipos distantes.
São planuras alambicadas do mel dulcíssimo dos amantes.
São comunhões entre o anunciado e o postulado.
São alegria, pronuncio de prazer, consolação...
E são, de igual modo, dor, pranto e desalento.
As palavras
tem as penas calvas de todas as aves do paraíso,
a força de provocar do choro ao riso.
Ai, as palavras ...
Tem musica instrumental
dos aulidos bravos, doridos, do mais silenciado animal
e a sangria desatada na seiva caucásica
a ondular a planta, da flor ao caule.
(Branca a seiva, a saliva e o sémen da Vida)

A palavra tem distancias equidistantes
de todos os sois verdes dos olhos moribundos dos mareantes.

As palavras, as que escuto, são pedras soltas sibilantes,
ásperas, rugosas, a açoitar a voz do espírito.
(Solto a palavra, amordaço o grito,
na voz magoada de uma postergada rosa...)
Simultâneas, uma e outra e outra vez ...
afagam-me líquidas a flor da tez, na placidez
da seda, do cetim, do algodão ... tais águas de dolentes fontes!
E logo logo, os afagos são ébanos perpetuados
em cansaços fúnebres, lúgubres. Torturados
em naifadas! Chibatadas ...
As palavras execráveis são, num mesmo instante
nuvens brancas,
arredondadas, acastelas para além do horizonte.
Desânimo, indiferença.

Tíbias e reservadas, solto(me) ao vento(d)as palavras ...

Não, não são minhas, as palavras que escrevo,
não as quero mais,
que me arrefecem as entranhas e me fogueiam
o palanque acetoso do corpo... Palavras sem rosto!


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