Por ruminar da erva do silêncio
Data 28/10/2008 00:13:53 | Tópico: Poemas
| Pela milionésima vez puxo por um cigarro Ando às voltas com ele pelos dedos Preparo os lábios como se fosse para beijar uma cruz Em algures o silêncio liga a sua ignição
Enquanto preparo o lume para acender o cigarro Invoco uma mulher bonita Igual à que tenho na jarra da mesa da sala Com contornos de tinta-da-china A jarra é azul A mulher é vermelha Acho as cores uma música marítima Uma explosão no convés de um navio
Ela está protegida por um manto de ovelha Para imaginá-la nua fecho os olhos Até pisá-los e o sol encastelar todas as pregas do corpo Nesse instante ela sorri Como eu nunca Dá um passo em frente e devolve as folhas caídas às árvores Os cabelos finos às cabeças A tinta morta às paredes
Grito na intensidade como se trespassado por um pássaro bicudo Mas não de dor porque essa espera na página de um livro
A mulher da jarra lança-me um adeus-marinheiro E o lume é agora mais do que a altura dos meus ossos A esplanada é o vício do poeta Eu vinha aqui para escrever sobre tubarões Metais que entram pelas narinas Do trânsito na via-láctea Dizer aos anjos que tomem António Aleixo como oração
Por ruminar da erva do silêncio acabei sem um único pulmão Toda a minha força nela. Na mulher vermelha. A escorrer em guache pelo pensamento. Percebi que estava frio porque quebraram-se-me as unhas E um cão saciava-se nas minhas pernas. Não sei se sonhar com musas ou lagartos é um casamento à pressa Pois quando escrevo provo todas as imoralidades
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