Estais porventura redondamente enganados

Data 17/04/2007 12:26:17 | Tópico: Poemas

Meus senhores, estais porventura redondamente enganados ...
Não, não estamos sós, nós poetas silenciados,
sitiados dentro de claustrofobicas palavras ...
Palavras amortalhadas em masmorras erguidas
p’la argamassa das nossas próprias feridas ...

Que em nós, nos habita constante
a necessidade de darmos volume, força, caudal de voz
abundante - na forma intemporal de escorridos versos -,
a águas amoldadas nos alcatruzes sentidos de
milhões doutros, diferentes!

Não, não estamos sós, nós os poetas ..
Que damos voz à Humanidade desalentada que se escorre
em rios espaçosos de gente ... Silenciosos, calcorreiam-se
em passos lestos e nos inversos. Languidos, sincopados.
Em gestos devolutos, enxutos, esmorecidos de si mesmos
em comovidos vazios denotados...

Gentes vestidas de bucólicas melancolias... nos trajes
dos cinco continentes. Abraçam-se em olhares transparentes...
descobertos no acto banal de quem, em si não é actor principal...

Não, não estamos sós ...
Parados nas ombreiras do tempo, nem sequer resguardados
em poeirentas gavetas.
Vestimos camisas ventosas, desfolhamo-nos qual rosas.
Escorremos em navalhadas de sangue, na alma de ciganos
viajantes.
Somos surrupiar de folhagem à mais agreste paisagem.
Somos o encanto de uma líquida miragem.
Somos quiçá mastodontes no perfil dos horizontes.
Somos canto, pranto alado e do mar salgado
o linguajar do pecado.
Vestimos as dores genésicas da Natureza,
nos tons ébanos da mais recôndita tristeza.
E aos palcos e romarias vamos rebuscar as cores
das moçoilas mais sadias ...

Se tudo somos, e nada sendo, nos alimentamos
por dentro ... Avento .... não, não estamos sós!
Que vos cantamos a vós!!!



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