Umbilical se fez em si a poesia ...

Data 20/04/2007 12:24:51 | Tópico: Poemas

Umbilical se fez em si a poesia
no dia em que lhe rasgaram a derme da alma,
como folha inútil, desqualificada de papel.

Que se viu sirena envolta numa opaca rede rota.
Nos grilhões, algemas, do mais duro ferro.

Rede revolta a declivar de lá, do mais despótico morro.
E a sua voz, de tão pesarosa, se quedou, quieta, muda
no mais silenciado silêncio.
Sem medo, em redil, agremiada
na emboscada de si mesma ser, o próprio covil.

De fera louca, de maga, bruxa ou fada. Druida dengosa
a bailar nos picos erectos dos milenares alfabetos,
de si, “Rosa, Rosa do nada" na floresta da vida.
Alcantilada.

De se percorrer percorrida em declivadas colinas helénicas.
Erguidas - como se impõem sejam, as mais altaneiras colinas.
De ser planície larga a concorrer com a largura infinda do mar.

Rugiram então rugientes, Ralos e Cigarras.
Ásperas, austeras, inclementes.
Rugiu no silêncio a espuma leitosa do mar.
Amputou-se-lhe a alma, fatiada em fatias gangrenadas.
Metáteses invasivas das suas mais silenciosas chagas.
Fatias largas, fatiadas em vocábulos, abscessos purulentos,
sempre a purgar na noite continuamente presente
das bouças estradas. Iluminadas p´los raios ácidos,
dos gumes naifados de persistentes luares.

Ergueu-se, armadura, na força do verbo encabado,
jamais acabado. Karma, fado!
Construiu-se na ponta de uma enxada cuspida nas mãos
de um ancestral cavador!

Usou-a na hora em que os montes
descem de si cansados
a beber água nos espelhos vítreos dos lagos,
que se descansam doloridos nas planuras dos prados.
Que ousam assentar no colo salgado das salinas
e que se silenciam no silêncio adormecido
das raízes mais finas.
Que se vestem – os montes – da pele arrancada
aos rejeitados caroços...

Pêndulou num andamento estranho, em que sombra
fugidia se agilizou escondida, felino gato,
no calcanhar do sapato.
Onde lhe doía!

Umbilical se fez em si a poesia ...



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