
RETRATO DE UMA MULHER
Data 10/11/2008 23:14:09 | Tópico: Poemas
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Ela era assim, impulsiva, impaciente, inquieta, pulsante, verdadeira... não caberia em um exíguo espaço, excedia o limite das aparências, não caberia nunca no quadrado de um modelo de mulher pré-concebido "unhas rentes, saias longas, pés calçados em rústicas sandálias de couro cru..." era viva demais para tais limites, não tinha pré definição para alguém assim!
Reduzir uma mulher à simples aparência e a detalhes de personalidade, "uma mulher de cara lavada, inteligente e sensível"! Como vestir tal camisa de força em alguém que nascera pra ser pra sempre inconformada e brilhante? Não desses brilhos dos salões, dos raros cristais da Boêmia, não... mas daqueles brilhos surgidos de pulsações ancestrais, fogos sagrados magias perdidas na noite dos tempos, alguém com a paixão incandescente e indomável das feras, gosto de sangue, mãos fortes e gestos desmedidos. Tal pássaro arisco não suportaria as grades de uma gaiola e por mais que ela amasse a um homem ele jamais a teria presa em suas mãos pois ela era fluida e se repartia em tantos pedaços , tantos prismas que nada a reteria, nada conseguiria fixá-la em uma tela, nem o amor, nem a abnegação, nem o dever.... e tendo vivido por muito tempo sob os véus de aparências estranhas à sua natureza volátil, seu coração se curvara em tristeza, adoecera de vida, adoecera de renúncias... A menina que dançava para as visitas, crescera e entrara por um brete sem saída... Mas uma mulher assim, feita de tal matéria, nunca morre de verdade, por mais que sofra de dores de vida e morte, há dentro dela, um reduto indestrutível que brilha incandescente e luminoso, faz com que ela dance ao chorar, com que ela chore ao sorrir, pois pra seres feitos de tal barro, choro e riso e movimento são bálsamos! Dançar à luz da lua, ao redor do fogo, como bruxa medieval , estrela da noite, perdida das ruas desertas, à espera de seu homem na madrugada, aquele que a terá por momentos, e saberá que nunca será o seu dono, essa mulher que é capaz de inusitadas ternuras e de doces e suaves toques, de longas esperas e de surpreedentes carinhos no aconchego do amor ... essa mulher que seria capaz de por tanto amar, dobrar sua estranha natureza e ficar ao lado de alguém que ela guarda no mais secreto do seu coração, alguém que não entendeu seus gritos, suas intemperanças, seus gemidos, alguém que na verdade não acreditou... não acreditou... E agora segue a vida, segue o tango da vida, e ela a dançar... a dançar... ela... ele... tudo agora se confunde em uma madrugada perdida, uma noite de lua cheia, paraísos, um distante mês de abril, e é só chorar, chorar muito, chorar tanto ... garoas de tristezas, brumas nas ruas desertas, e na calçada o som de passos os seus passos, o som dos saltos altos, firmes, decididos, obstinados, seguindo em frente, seguindo...
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