
Agrafara-lhe os olhos de gleba...
Data 20/04/2007 22:09:59 | Tópico: Poemas
| Agrafara-lhe os olhos de gleba, de cílios negros, profundos, pestanudos, a uns outros, na cor incerta de melenas a desfraldar em milhões de poemas. (Já nada via a não ser, o transparente escorrer da espuma incolor da matinal maresia).
Agrafara-lhe os olhos de feudo, em poesia dançante das fragatas em alucinação. No Tejo a emparelhar, em busca d'algum lugar, rebuscando a incerteza confessa de um seguro pontão.
Agrafara-lhe os olhos na vassalagem, num esvoaçar d’ asas abertas, azeviche selvagem, negras andorinhas, escravas virgens meninas, de um olhar de fundo de mar.
Eclipsara-se, clandestino, na boca esboçada do riso, do estaleiro ali ao lado. Num aramado sorriso, um sorriso não desabrochado, dum traçado impreciso. Grilheta por se domar.
Decalcara-lhe a carvão, na fuligem da soldagem, em atávica miragem, de ser lava de um vulcão, um anagrama, uma indecifração.
Ataviara-lhe a alma na alucinação confessa de que a levaria, moira encantada, princesa, num voo pairado de dorso. Para além do alaranjado do regresso do sol-posto. Num cacilheiro sem fundo, provindo de outro mundo. Ancorado em nenhum lado, a escorrer-se p’ra foz… Um cacilheiro divergente, no reverso d’ignota margem. (Que ela, ela tinha alma de albatroz ou gaivota).
Numa viagem sem tempo, sem rota, sem destino que o não o de dar cumprimento ao destino …
Sobrevoar como quem voa, a cidade, a sua cidade Lisboa. De a levar a ouvir o fado, cantado dentro do peito, do peito da Madragoa. De a levar a ver o Mar… O mar que a queria abraçar, num abraço liquefeito, num abraço compulsivo, num estrangular corrosivo e, lá no Bugio, beijar a boca da sua amada – a cidade encantada.
No dilúvio do desejo, quis possui-la ali mesmo, engoli-la na saliva acre do beijo. Quis fazer dela aguarela, quis trancá-la em cimeiro Castelo. (Apenas por mero zelo …) A ela, mulher indefesa, Gata Borralheira, Cinderela … Princesa … A ela? Que despropósito!... Esqueceu-se que era ela, a própria a fortaleza…
Agrafara-lhe os olhos de gleba …fizera dela a sua serva. Hoje ela nem chora … Está de si, cega!!!
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