Rio aberto

Data 22/04/2007 09:52:31 | Tópico: Poemas

Entre a altiva, desdenhosa,
sobranceira serra e a lezíria largada
de si mesma, em planuras aumentadas –
na amplitude da planície mansa,
a ondular-se em imortais, tisnadas searas –,
acontece um rio verde criança.

Um rio permanentemente a escorrer-se.
Fragatas deslizantes de metáforas,
ondulantes rimas de um poema.

Escorre-se verde.
Escorre-se serôdio de tão novo,
novo de tão idoso …
Ora magoado, caudaloso, cauteloso, chorado,
ora sequioso, ávido de ser livre, ser fandango
ser fado, ser boémio, ser vadio…

Escorre-se em gota, em fio, num fio ancorado
lá a Norte, no Monte Gordo onde reside,
paradoxalmente o Senhor da Boa Morte.
Num fio de seda teia, estribado igualmente
na lezíria, a Sul, no ancoradouro de fé,
na Capela da Senhora D'Alcamé …

Escorre-se pendulado a azul, no sonho de ser cantado.
Entre o agnóstico e o crente,
entre o Nascente e o Poente,
entre a noite tão escura e o dia luzente
entre a morte e a vida …
Na senda e na procura, de sentido, de uma rota perdida.

Adormece fonte a drenar,
acorda rio …e logo largo mar…
Escorre-se rápido, e logo lento
escorre-se nas margens de ser de si
e em si, o jejum e o alimento.

Entre a lezíria e o monte
vive o rio cansado de gotejar,
de ser tal qual, fonte!

(Jan.2006)




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