Sobre todas as coisas principiadas

Data 26/04/2007 11:21:01 | Tópico: Poemas -> Fantasia

Sobre todas as coisas principiadas
desceu sobre mim a tua aperfeiçoada imagem,
munida duma convicção feroz e inigualável,
num misto de ternura, de candura, de amargura,
de orgânica paixão e logo mola de fé ...

Desceu pêndulada numa frágua,
ou quiçá numa bojuda gota de chuva orvalhada...
Ou num esguio e fino subterrâneo lençol líquido dágua

Desceu na essência e no enzima, no silêncio
corporizado. Nasceu no vento em música matutado
No aroma intenso do palme fruto
No voo atento de um pássaro estiolado
No restolho do milho e na cevada em estado fermentado

Abateu-se no instante eminente em que
a madrugada pespontava a ponto fino para lá da nascente amedrontada.
Que o Sol ingénuo e dolente se espreguiçava
ainda do olhos descarnados do sono...
De um sono morno, preguiçoso,
dormido na malga deleitosa e platinada do verde espelho do mar
E que a Lua espantada escapava lesta a camuflar-se
numa rosácea nuvem de algodão.

Sobre todas as coisas principiadas
as tuas palavras de barro e argila, fecundaram
as estrelas breves dos meus olhos tristes,
em matizes inesperados, emergentes de sons de água
a escorrer-se nas cordas tugidas dum violino.

E os requebros atentos da tua voz eram ventos
a beijar a boca aberta do meu astroso pranto
E os teus braços potentes eram hercúleas amarras
a anteparar o peso árduo do meu naufragado barco
E a tua boca sobre a minha começada
era viagem amamentada nos desejos mais impolutos,
de ser pele iluminada, empolgada e perturbada
de uma vinho acabado de fazer, de um vinho a fermentar
e logo adivinhado - Inebriante, capaz de embriagar
numa auréola de prazer,
dos vermes da terra até às mais longínquas estrelas
ainda por nascer...

Capaz de pintar de cores ainda desconhecidas
todas as telas opacas desta e doutras vidas
e de não deixar devoluto um só espaço,
de unir plácido as coisas esparsas e dispares.
De ser fecunda resina,
de ser gruda aglutinada e absoluta a chumbar
o voar das tuas asas nas minhas agora a nascer ...

Sobre todas as coisas amanhecidas
desceu sobre mim a tua acurada imagem...
És poema, és as força suprema desta destrambelhada vida!



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