
Como um poeta a quem falharam as palavras
Data 26/04/2007 22:05:12 | Tópico: Poemas -> Tristeza
| Como um poeta a quem falharam as palavras Um soldado sem armas Um camponês sem terra Ou um operário a quem aferrolharam a fábrica
Hoje, ausente da integridade dos homens e dos olhares corteses das elites, hoje, que morreram por fim, os últimos resquícios dos meus sonhos de justiça e de rectidão Baixo os braços, busco uma mão…
Sem forças, esvaziada, sem bordão, bastão ou cajado deambulo de novo à deriva na Avenida… Sem que consigam estimular-me sequer o voar planado do Abril dos pássaros Prossigo-me agastada no restolhar repugnante dos meus próprios passos perdidos.
No desânimo, pressinto que mais nada me resta que não seja desenhar exauridas asas que nunca voam Pintar quadros, longas telas, de cores incolores Traçar veredas singelas que se apagam na inanidade do vento que passa Cartografar rios e estradas que se desmaiam nos frios coalhados das madrugadas…
Procedo à urgente convocação da memória, partes maiores da minha história. Rebusco razões, sentidos, num rumo notoriamente perdido… No desalento tombo adormecida e acordo na magia ímpia da vida. Cavo uma resposta pronta, capaz de estancar o queixume, o desalento… o negrume.
Encontro-a por fim, incorporada na folhagem verde dos Aceres e das Magnólias já reanimadas, onde as lágrimas descansam de tão cansadas jornadas.
De feição feérica deixo que o corpo desabe cálido no banco aqui ao lado, que alma se agúe sedenta no lago pálido dos nenúfares a assomar em pétalas alilasadas e concêntricas. Dói-me a alma, abrigada algures no peito...
Indiferente ao meu desprazimento o jardim explode-se no Maio das flores a cada momento.
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