Morde-me a alma das palavras que não digo

Data 27/04/2007 16:27:28 | Tópico: Poemas -> Tristeza

Morde-me a alma das palavras que não digo
Mordem-me aquelas que, acerbas,
se escapulem de mim indeterminadas.

Mordem-me, na conformação mais banal,
na configuração de tumulto vendaval...
Mordem-me de indeterminável tamanho
na raiva e no assanho de serem torrente de palavras.
Mordo-me por dentro no âmago do meu próprio caudal,
animal enclausurado e ressentido.

Num ápice, arranco a derme à pele do caroço da fala
Falo na mudez calada das costas magoadas da palavra
Engulo-as num travo de me engolir em desfalecimento.

Basta!
De ora em diante cerrarei as grades mais profundas,
ao sentimento, ao desalento, ao amor e à paixão.

Clarividente agrafarei opostas as silabas e as virgulas
e dos bifrontes verbos não serei jamais embaixador.
Aos adjectivos, digladiarei um a um, em pervertidos
costumes, aos substantivos arrancar-lhe-ei
a força no meu ódio - serão apenas e não só
mais que vermes a abarrotar a quentura dos estrumes...

Hoje o tempo escorre macerado num ópio
estilhaçado de vidros requebrados do postigo.
Hoje o corpo não contém dentro a alma
que se queda abismal, bastarda pedra, estrangulada
em clarões de inutilidade, na flacidez da verdade...
A alma, essa em que o corpo tropeça em agonia,
na dolência de não haver
mais que noite no azul de novo dia!

Hoje sou uma ave a voar sózinha
um voo abaixo do resfolgar da raiz da erva mais daninha!





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