Todos os destinos...

Data 28/12/2008 00:27:28 | Tópico: Crónicas

<b>Caminho apressada com passadas silenciosas, mas não menos decididas e vigorosas do que as outras; as que ouço à minha volta, vindas de todos os lados e que ecoam no asfalto molhado a cada passo dado por outras mulheres, que, de botas de salto alto e fino, numa postura bem mais feminina, seguem o mesmo caminho, num ritual diário que nos leva sempre ao mesmo destino.
Na porta grande da estação, alguém me estica a mão com um jornal diário e gratuito, que apanho e agradeço com um quase inaudível "obrigado" e um esboço de sorriso. Já tenho com que ocupar os vinte minutos de viagem que se seguem. É assim todas as manhãs, de todas as semanas e meses, de mais um ano, que, de já tão velho e desgastado, se vai despedindo de mim com vagarosos suspiros de alívio.
Olho para o relógio, pendurado na parede, acima do placard de todos os destinos, ainda tenho cinco minutos, abrando agora as minhas passadas e deixo-me ultrapassar por gente que corre na tentativa de ainda apanhar o comboio que apita em aviso do fecho das portas... e correm loucos os desesperados. Dois ou três minutos que sejam, fazem mossa na hora da chegada!
O meu não tarda, por isso, aguardo os minutos que me restam, a meio das escadas. Está mais abrigado do vento cortante e gelado, que varre o ar e tudo o que apanhar pela frente. Alguém me imita e faz o mesmo, encostando-se ao meu lado, de fones nos ouvidos e mãos nos bolsos, que adivinho quentinhos, pois o seu casaco de lã não deixa dúvidas. Vai meneando a cabeça ao som da música que lhe aquece a alma e lhe aconchega o espírito ao mesmo tempo que lhe afasta o sono...
"Senhores passageiros, o comboio com destino a Alverca, vai entrar na linha nº 3" - É o meu, finalmente.
Deixo o meu abrigo temporário e subo o resto dos degraus que me faltam. O comboio já vem atestado. Abrem-se as portas e uma multidão irrompe por ele adentro e ocupa todos os poucos lugares ainda vazios, não tenho outro remédio se não acomodar-me num canto junto à porta e guardar o jornal para outra altura. Se o tentasse abrir, por certo incomodaria o senhor que vai ao meu lado esquerdo, o rapaz da mochila à minha frente e a mãe que segura pela mão uma menina que ficou engolida pelos adultos ao seu redor.
E pensar que já foi muito pior, desde quase não ter espaço para respirar até viajar no ultimo degrau de um velhinho cavalo de ferro antigo, em dia de greve e com o peso daquela multidão toda a empurrar-me para a linha, sempre que havia uma curva. Já para não falar dos sustos de quase ficar debaixo de pelo menos dois desses cavalos de ferro, por hesitar tempo demais num recua ou avança, nas velhas estações com passagem de peões em cima dos carris... dá-me um certo conforto, tendo em conta que a maior parte dos dias viajo em sentido contrário às horas de ponta dos outros!</b>


Bem sei que não sou grande prosadora, mas hoje apeteceu-me!



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