Simplesmente Casa

Data 04/01/2009 19:44:53 | Tópico: Prosas Poéticas

Ó malditos deuses,
porque mandais raios que incendeiam as florestas?
Ó fogo
que tantas vezes tentaste penetrar nos meus ramos, sem nunca o conseguires,
porque insististe?
Ó vento
que tantas vezes embalaste os meus rebentos e refrescaste as minhas entranhas, em dias de calor escaldante,
porque me traíste?
Os deuses enlouqueceram, o vento aliou-se-lhes, forte, forte, cada vez mais forte! … Arrastava as labaredas que voavam de árvore para árvore e depressa me atingiram.
É o meu fim, pensei.
Este fogo vai consumir-me e este maldito vento vai arrastar consigo as minhas cinzas para outros lugares distantes, frios, feios, gelados! ...
Não! Não conseguiste!
Comeste as folhas e os meus ramos mais tenros, mataste os passarinhos que abrigava, queimaste-me muitas energias, mas não me tiraste a força de viver.
Os meus troncos e as minhas raízes fortes enfrentaram-te e venceram-te e depressa terei ramos, terei folhas, terei pássaros, terei força, beleza e alegria.
Irei morrer de pé, com aquele orgulho que só pode ter uma árvore secular, que abrigou insectos nas folhas, pássaros nos ramos e famílias pobres no tronco que com os pés gretados a sangrar, vagueavam pelo mundo à procura de um abrigo, de um lar.
Famílias que finalmente poderiam descansar, sentindo-se aconchegadas e acarinhadas. Nunca mais teriam medo dos deuses, do fogo, do vento, de nada! ...
Pela primeira vez achei que poderia descansar e que os meus ramos tenros poderiam murchar.
Pela primeira vez deixei de amaldiçoar os deuses, o fogo e o vento que tantas vezes tentaram roubar-me a vida.
Pela primeira vez achei que poderia ser menos bela, porque nas minhas entranhas tinha amigos que achariam que mantinha o mesmo encanto, porque era solidária e fraterna.

Pela primeira vez achei que em vez de árvore, poderia ser simplesmente casa! ...





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