ATIRO NO PRIMEIRO QUE FALAR

Data 01/05/2007 12:42:46 | Tópico: Poemas -> Amor



Entro armado no palco e grito:
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio. As luzes acordam,
encarniçam-se e procuram o homicida em fuga
na minha fronte de amante suicida.
Declaro-me, exponho-me, mostro-me.
Não me defendo, estou inocente
mas lanço granadas de fumo.
O drama e a trama, sem ponto,
são metáforas polimorfas esboçadas
à luz de espelhos curvos da memória.
Ela entra em cena,
duplicada de mel e fel suplicantes:
- Faz-me tua… ou MATA-ME…!
Acaricio as suas formosuras, trapos vivos
atados ao anzol para engodar peixes famintos,
levanto a pele de um fruto proibido
e devoro a polpa até ao tutano.
Ouvem-se rumores…
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio de novo. Ela fica com aquele
olhar cortejado, diria maroto, de um qualquer
filme mudo de animatógrafo obsoleto,
que é apenas o olhar simples e intrincado
de mulher desarmada, que tanto irrita
outras mulheres por saberem que esse olhar
perturba espectadores-homens, de olhos,
mãos e nariz insolentes,
habituados a avaliar os melões apenas pela casca.
A serpente, já entorpecida, agora num
êxtase melancólico de leoa empanturrada:
- Faz-me tua… ou mata-me…!
E eu, todo nu, sem deixa que me valha:
- Atiro no primeiro que falar.

O pano cai, de repente. Na plateia
morrem olhos a procurar uma serpente.




Poema: Nilson Barcelli © Dezembro de 2006
Publicado em: http://nimbypolis.blogspot.com/


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