Os olhos do coração

Data 14/01/2009 01:01:36 | Tópico: Prosas Poéticas

Você é homem, não peço nem espero que compreenda, os vossos olhos estão no sítio errado do corpo, estão na cabeça, que sentido faz isso, que poderá a cabeça saber sobre um mundo, sim, um mundo que não é este ainda, mas poderia ser um dia se o criássemos com o coração, um mundo sem esta dor, sem esta hipocrisia, esta indiferença, esta falsidade, este fingimento, sem esta dissimulação, esta impostura, esta duplicidade, sem esta aparência, esta farsa, este disfarce, este é o mundo da cabeça, um mundo de angústia, de aperto, de constrição, de obstipação, um mundo de estrangulamento, de opressão, de aflição, de desassossego, de ansiedade, de desespero e agonia e tormento perpétuos, este é o mundo dos homens, é o sofrimento, é o pesar, é a dor, é a pena e a tristeza e a mágoa contínuas, os olhos de homem não podem ver isto, estão cegos na cabeça, apenas os olhos de uma mulher podem contemplar semelhante cenário hediondo, olhos de mulher mesmo que em coração de homem, esses podem observar o descontentamento das almas, o desagrado, a displicência, os peitos que arfam ansiosos, inquietos, irrequietos no seu silêncio forçado, estão ávidos, estão desejosos, estão sôfregos, os olhares que se baixam tolhidos pelo desânimo, pelo desalento, pelo acanhamento, pelo esmorecimento, pelo abatimento da alma, pela fraqueza, pela prostração dos ideais, é o mundo ignorado da doença, do calvário, do martírio e do sacrifício, da provação, da desgraça, é a gangrena das sociedades, cegas na sua putrefacção moral e humana, o mundo do coração não é este ainda, este com as suas injustiças, as suas iniquidades e arbitrariedades, os seus atropelos e as suas injúrias, a desigualdade, somos todos humanos, mas uns sê-lo-ão mais que outros certamente, vivem uns como homens, outros como esterco, pior que esterco, que este aduba a terra, a este esterco humano nem sequer é-lhe permitido contribuir para o mundo, foram abandonados, esquecidos, desprezados, deixados na sua imundice, deles agora mas herdada dos erros dos outros, dos tropeções dos pés dos olhos cegos postos na cabeça e não no peito, você é homem, não peço nem espero que compreenda o que poderia ser o mundo olhássemos nós pelas vistas do coração.


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