Larga-me!

Data 02/05/2007 10:57:26 | Tópico: Poemas -> Tristeza

Larga-me!
Não me agarres
Não me sustenhas, não me detenhas
Não finjas que me desejas, que me amas,
não finjas sequer que em algum momento,
em algum segundo que seja, te sou na vida
importante,
que sou a tua crisálida mareante
aquela onde buscas o egocêntrico prazer
de te saberes amado, desejado, a cada instante.

Larga-me!
Não me aprisiones as asas em amarras imaginárias.
Que mais não sou neste fragmento de segundo
que dilúvio, fúria brava a desmoronar-se
do trono oco no meu mundo.
Que mais não sou que farrapo esvoaçado
ao sabor do gládio das tuas espadas
esgrimidas em espirais de verbos subvertos,
perfurantes
diamantes afilados nos vidros dos meus olhos plasmados
quando me atravessas a alma em cascos controversos
quando me arpoas o corpo no desejo mais confesso
quando, anjo demoníaco, me possuis o ventre
penetrando-me p'lo umbigo no frio da distância
e me enlaças ternamente em novidades de trigo
e me consomes inteira na ausência que nos separa
e me fazes prisioneira de um só beijo que seja!

Larga-me!
Estou cansada de acordar epitáfio vazio
cinzelado na pedra granítica da tua vida.
De acordar gelada, soterrada viva
no portal da madrugada.
De ser ave de bico cortado, de cantar estiolado
de ser apenas deusa imaginada
a ondular azul na fonte os teus poemas,
moira encantada nos confins duma amurada.

Larga-me!
Deixa-me que desabe de vez
no vazio desta arrimada falésia.
Não tentes evitar por piedade a derrocada.

Larga-me,
ou se fores capaz, provoca-me simplesmente
total e permanente estado de amnésia!



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=6709