A ditadura dos sentidos

Data 14/01/2009 16:10:50 | Tópico: Prosas Poéticas

Aahh, a ditadura dos sentidos, a tirania das aparências, o fascismo dos contornos exteriores do corpo, os seus vários elementos, os olhos, o cabelo, agora as formas libidinosas dos seios, as coxas, as nádegas, as pernas delgadas que parecem estender-se até nós, convidando a por elas subir, a por elas subir e perder o sentido.

O déspota que é o sorriso, os tiranos dos jeitinhos de ombro, os opressores que são os pequenos tiques singelos do rosto que escravizam quem deles bebe, quem deles se torna servo, quem neles embarca na atribulada viagem pelas águas escuras da beleza, da sensualidade, os caminhos tortuosos que se escrevem nas linhas curvas da formosura, da elegância, da delicadeza corporal.

Aahh, que subserviência atroz a dos sentimentos que se regem pelas malfadadas atracções dos corpos, e não pelas sublimes e dóceis inclinações do espírito, as empatias amigáveis do coração. Infeliz troca de prioridades, como a do filho pródigo que regressa a casa volvidos anos de longas caminhadas, peregrinações, e antes de abraçar a mãe ansiosa, o pai que o olha emocionado, vai primeiro a correr aos lavabos a aliviar-se das persistências do baixo ventre.

Quem me dera que a beleza que carregas no coração, como se levasses ao peito uma criança de colo, como se nele se encaixassem todas as riquezas de todos os reinos, todos os recantos do mundo onde estacaram homens, embatocados com a deleitosa perfeição da Criação, quem me dera que essa beleza que abraças dentro a levasses também fora, nas linhas do teu rosto, no encanto do teu perfil, na maciez do teu cabelo. Amar-te-ia sem um segundo de hesitação, amar-te-ia sem que me atraiçoassem as fraquezas da razão, que escravas deveriam de ser da força da emoção pura do coração, mas não o são, não o são, repito, são elas quem na sua fraqueza comandam, são os tiques da vanidade, da vaidade, que sempre em busca do belo, do esbelto, dos contornos sedutores e apelativos ao apetite voraz dos sentidos, as fraquezas da razão que se perdem num mar de ossos e trapos, de bolor e bafio, elas as mesmas que deixaram os tesouros da seda e do mel para trás, os aromas dos perfumes, as reluzências dos cristais.

Ai, se os meus olhos fossem cegos, se não tos pudessem eles ver, e apenas pudesse o meu coração sentir o que sente quando o meu olhar se confunde no brilho que cintila no teu, pudesse isso assim ser, e jamais deixaria eu o teu colo, o teu centro, enrolar-me-ia em ti, juntinho à criança que levas no peito, a criança em forma de coração, o coração em forma de baú, baú em forma de cofre onde guardas todos os encantos do mundo, onde os reis do universo generosamente depositaram os tesouros que outrora lhes pertencera, um cofre que deixas aberto no peito, quem se chegar perto nem precisa de chave, a luz do teu ouro brilha desentravada e toca em quem tiver olhos verdadeiros para a ver.

Se soubesses como te acho bela pelo lado de dentro da alma, como vejo no teu coração uma paz e ternura que não as conhecem a maioria dos homens deste mundo, se isto soubesses abririas tu os portões do teu peito e espalharias pelas ruas e campos, pelas serras e mares, espalharias as cores e os sabores, as fragrâncias e as elegâncias que te enchem o corpo pela força que uma alma recheada faz nas paredes físicas que a cercam. Tens uma alma cheia como os têm os vales da Terra os declines onde se depositaram os oceanos, transbordas em todas as praias do coração vagas que lavam as areias escuras que lá habitam.

És grande, muito grande, descomedida na sumptuosidade dos sentimentos que trazes, és como um palácio que caminha entre as tendas, palhotas e barracas que se estendem na periferia do teu olhar, luminoso como sempre é o das rainhas e princesas dos reinos da alma.


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