O fado da menina das flores

Data 02/05/2007 15:53:15 | Tópico: Contos

A história que vou contar
Não tem heróis nem bandidos,
Não é daquelas de embalar
Nem tem personagens fingidos.

Há já muito, muito tempo,
Em tempos de outras gentes,
Um fulano teve afinidades
Com o senhor dos contentes...

Um proeminente fulano, por sinal,
Com banda de inteligentes
A anunciar a sua chegada.

O burgesso (via-se pelos dentes)
Mostrava-se num jeito arreganhado
Aos transeuntes indolentes,
Letárgicos, pesados, plácidos,
Pendões, flácidos e ainda... pacientes.

O peralta sem maneiras
acompanhado de um sério,
que o corrigia até aos confins
em responsos sem mistério
por “dá cá aquela palha”,
abeirou-se num lento golpe de rins,
assim “como quem não quer a coisa”
da moçoila da banca das flores.

A arisca plebeia com cheiro de rosa e meia
E a esperteza da vida,
Catrapiscou-lhe o fito de malandro...
Estendeu-lhe uma margarida
Que lhe saltara para os dedos finos,
Recortados, longos... e floridos...

“Uma moeda!”

“Uma moeda, senhor!”

O trambolho ridente
Estalou a mão no joelho,
Num inclinar abrupto do corpanzil,
Gargalhando com o descaramento
Daquele jeito fácil e juvenil.

Recomposto do topete,
Refeito de falhada alarvice
Olhou a garota e disse:

“Se uma moeda custa, duas te dou!
Se flores vendes, jardins receberás!”

Rindo, arrecadou uma repreensão,
voltou as costas penduradas até ao chão
e abalou entoando uma canção.

(o tempo não parou)

A menina, senhora das flores,
Plebeia de coração,
Recordou, entre a vida e os amores,
A profecia dita em oração
E olhou para a prole de todas as cores
Que balançava em pegada diversão
Embalada pelo vento suave...
Ali, no seu jardim.

Valdevinoxis



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