Encantamento

Data 06/02/2009 01:11:20 | Tópico: Crónicas

ENCANTAMENTO


Já todos cá em casa foram para a cama. Só eu teimo em esticar a noite aqui junto à lareira, os olhos presos ao fogo que crepita, qualquer coisa a que chamarei encantamento.
Que fascínio é este que o fogo exerce sobre a gente ?
Que centelha lhe está a dar alma ? Aliás a chama está quase extinta, apenas um discreto e ingénuo crepitar, mas com o mesmo poder de fascínio da chama megalómana do início da noite.
Nesta hora apetece-me dizer como João no Tabor: “é bom estarmos aqui” Direi que é uma daquelas situações em que, estando vivos, conseguimos desligar do mundo do pensamento e sermos exclusivamente com os sentidos, de forma humanamente rica.
Penso no mar, que também ele fascina, também repousante e capaz de espantar a solidão. À beira mar ninguém está só, tal como junto do fogo. De alguma forma há vida nestes dois elementos. Apetece acreditar que há cumplicidade entre eles. Que algo na essência lhes é comum. Talvez aí o segredo do fascínio.
Por alguma razão a simples vela acesa, o fogo, desde sempre simbolizaram a espiritualidade do homem, a sua ligação com o Além, a Eternidade. Sempre um apelo à vida.
O estado de espírito, a grande paz que experimento nesta hora, conduz-me a um certo tipo de reflexão e penso na grandeza que pode morar nas coisas simples. Uma vez mais sou levado a acreditar que têm razão os homens do espírito, os desprendidos das coisas do mundo, esses tais de coração puro. Só que é tão pedregoso esse caminho…
É. Mas amanhã de manhã já estou no mundo, e trilhar os caminhos do mundo é mesmo o que me espera e aquilo de que me sinto capaz. Vou-me limitando a esvoaçar, de vez enquando, por fugazes instantes.
O Tabor também foi benesse passageira, relâmpago. Como o crepitar da lareira o foi esta noite para mim.



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