OS OUTROS 364 DIAS...

Data 09/03/2009 14:49:34 | Tópico: Poemas

ANA MAIS SÓ


Ana Maria
Acorda sem fantasia
Mais cedo que o próprio dia
Q’espreguiça a madrugada.
Foi mãe menina
Filha da guerra e da seca
Sem tempo de ter boneca
Quanto mais de ser casada.

Ana Maria
Lava a cara na panela
Sempre limpa da miséria
Que não sobrou do jantar.
É sua sina
Dos tempos de pequenina
Ver estrelas na janela
Sem tempos para sonhar

Já deu a mama
Aos dois filhos mais pequenos
Que do consolo serenos
Dormitam na capulana.
E junta ‘imbambas’
Ainda o sol é só um fio
Porque já crescem machambas
Do outro lado do rio.

Batata doce, rama verde, mucapata
Milho para encher a lata
Já batido no pilão,
Barriga cheia é sinal de alegria
Que traz boa companhia
P’rós lados do coração.

Pau de gengibre, cana doce, mandioca
Peixe seco, massaroca
Qualquer pinga p’ra beber
E à noite a dança traz feitiço e da bonança
Mantos verdes d’esperança
P’rá Ana poder viver...


Ana Maria
Cada ano mais pesada
Da barriga e da enxada
D’escavar num céu azul
Vive o desnorte
De chover melhor a sorte
A cada golpe de cava
Que morde da raiva o pó


Ana Maria,
Cada vez Ana mais só...





(Inhanguluê/Quelimane/Moçambique, 7 de Abril - dia da mulher - de 199...)

O hospital era longe e o teu menino queria nascer por entre os corredores da picada desse quarto de meu jeep, com enfermeiros feitos de improviso e amor.
Ana das marrabentas destilada com sura até de madrugada, para esquecer (dizias tu...) a guerra doutros filhos nascidos em hospitais mais a sério...
Ana das Anas, verdadeiras mulheres que no coração de Moçambique por essa Angola fora...serão sempre magestosos imbondeiros das raízes que nos falam de amor e a quem dedico, na inspiração do meu canto, os 364 dias que vos sobram... por direito ao descanso!
Provavelmente ainda não existe uma Internet na ponta da enxada dessas mãos que te calejam a sina... Mas continuas a ter a musica do Xirico, o sol espreguiçado no Ìndico desses fins de semana que te marrabentam a alma e a ternura eterna desse menino que “TE QUIS”nascer...
Que o vento te sopre para sempre o meu abraço...



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