
Memórias
Data 30/03/2009 11:48:06 | Tópico: Frases e Pensamentos
| Havia o Mundo.
E a musica com sabor a cerejas e os olhares de rio com cabelos de chuva nas minhas mãos, quando viajava em segredo, nua, despida com ternura, de olhos rasos de água.
E havia a lua branca, distante, nossa (como só nossa pode ser a lua...)
Havia também o tempo a separar as vontades, os desejos e os caminhos que sonhávamos percorrer quando ainda não éramos NÓS (e não éramos mais do que uma simples probabilidade metafísica).
Havia ainda a chuva a cair pesada, impiedosa sobre os ombros dos Homens-Tristes-Revoltados de futuro com sabor a passado, porque a Guerra dos Homens era tão GRA-N-DE que crescia para fora do peito...
Havia um barco perdido no mar do meu descontentamento e uma árvore em chamas e um vento selvagem de fogo no meu coração... ...e gotas de sangue a caírem sobre a erva verde-ternura deste meu País - sonho inacabado onde se morre sem se ter vivido.
E havia lágrimas estranhamente apressadas, ferventes, verdadeiras, salgadas que desciam lentamente pelo meu CORPO-DOR-ADIADA, AMOR perdido de ontem e desaguavam em lugares comuns de luta persistente.
Havia ainda o silêncio cheio de rumores quotidianos: o trigo a crescer, o choro das viúvas, crianças a rir, o sol a nascer, o som dos obuses, os buracos das bombas, os segredos dos Amigos e os perfumes das flores, a encharcarem de Vida, os amantes...
Havia o Mundo;
E desabou em mim a noite com reflexos de lume nos espelhos de veludo que eu tentava estilhaçar com as palavras já gastas...
Depois, continuou a musica proibida a escoar-se pelos bairros de lata de telhados de luz viva, janelas de miséria e chaminés de vidro... ...continuou a musica que me perdia e me reencontrava no bosque desconhecido onde a solidão crescia para o Sol...
...E uma lágrima veio lentamente pousar-me no olhar.
Lisboa, 1975
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