Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...

Data 23/04/2009 15:04:20 | Tópico: Textos

Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer. Não muito alta, mas de corpo esguio, rijo, seco.

Mesmo do alto dos seus cinquenta anos, continuava a ser um belo pedaço de mulher, ou “uma boa lasca”… como diziam os velhos lá da terra.
Nem o luto carregado que fez questão de usar depois da morte de sua mãe, lhe retiraram aquela espécie de sensualidade camponesa que fazia de si a mulher mais desejada pelos viúvos da terra e arredores , mortinhos que andavam por arranjar outra mulher que substituísse a que se finara, visto que careciam de quem lhes tratasse da casa e da roupa, bem como das refeições a tempo e horas, já para não falar do resto… sim, porque afinal de contas, eles eram homens e continuavam a ter as suas necessidades!

As suas faces rosadas davam-lhe um ar saudável, talvez pela imunidade que o cálice diário de aguardente, o chamado "mata-bicho" lhe oferecia. Não o dispensava de forma alguma!

A vida dura do campo e a obrigação a que se entregou por não lhe restar outra opção se não a de ter de cuidar dos pais "entrevados", não lhe deu hipóteses de se casar com algum dos muitos pretendentes, que, atraídos pela sua beleza natural, lhe apareceram na sua já tão longínqua juventude. Pois que os seus longos cabelos loiros,entrançados e fixados no alto da nuca em forma de carrapito e os olhos de um azul céu, não deixavam margens para dúvidas.

Recordo-me de certa vez, em que a seu pedido, a minha mãe me deixou acompanha-la a uma aldeia vizinha, onde pretendia pedir um bode emprestado para que lhe cobrisse as cabras que já davam mostras de andar com o cio…
Caminhamos que nos fartamos e quando lá chegamos, procurou a casa de uma senhora da qual já não me lembro do nome, mas que já nos esperava com a merenda pronta sobre a mesa e um irmão solteirão que apareceu ali só por acaso… pena que não tenha caído nas graças de Lídia, que tratou logo de o dizer cara a cara, visto que não estava interessada e não fosse a merenda prolongar-se por muito tempo e anoitecer antes de nos fazermos de novo ao caminho.

Aquela foi a última tentativa a que Lídia se submeteu, mas que não se acanhou de recusar. Pois que eu era uma gaiata, mas já sabia distinguir o bonito do feio e o homem era pavoroso!
E lá viemos de volta, com a barriga composta, o bode preso por uma corda(que berrou o caminho todo) e a sentença impressa na folha dos destinos de uma vida, dando conta de que Lídia ficaria tal como estava, solteirinha da silva, o resto da sua vida.

Anos mais tarde, definhou abraçada à solidão que a não largou mais desde a morte do seu pai e passou até fome, por não ter ninguém que lhe chegasse um pedaço de pão com queijo e um caneco de leite, que fosse...

Um fim triste para uma mulher que se manteve fiel ao seu destino, traçado algures logo à nascença.
Lídia morreu solteira e virgem!…






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